Pai,
Escrevo-te esta carta que sei que nunca vais ler. Só te quero dizer o porquê de ter desistido, não vou dizer matado porque não é o que vou fazer. Apenas vou desistir de viver. Até porque para me matar teria de ter essa força. E eu já não a tenho. Tive em tempos.
Tu não sabes mas eu penso tantas e tantas vezes em acabar com a minha vida. Mas tenho algo muito forte que me prende a ela. A Keu, a única coisa que eu sei que nunca me vai deixar. Por muito que ela fique chateada o mesmo sangue ira correr sempre dentro das nossas veias.
Desculpa não ser a filha que tu querias que eu fosse, desculpa não seu com a Keu. Desculpa se tudo que eu faço não é como tu queres. Se não limpo a casa como gostas, ou se não reajo como tu queres, mas eu não sou assim. Está-me no sangue. E tu não estives-te lá quando eu fui educada. Estavas a fugir de um relacionamento fracassado que não tinhas a coragem de acabar. E agora fazes-te de santo como se a culpa fosse minha. Como se eu tivesse a culpa de ter de lidar a uma mulher maluca, como se eu tivesse culpa de la não me ter incutido esse excesso de limpeza que tu tanto ambicionas. Como se eu tivesse culpa do teu mau estar. Mas queres saber, não fui eu que pedi para nascer. Deveria ter morrido quando cai pelas escadas a baixo sabes. Eu devia ter morrido. Porque para viver esta vida infernal eu não quero.
Eu não quis ter de dividir o meu quarto contigo quando sais-te do vosso quarto. Eu não queria ter de ouvir o que a minha mãe me disse de ti. Eu não queria ter de ouvir o “uma por todas e todas por uma”, tu nem sabes o que a frase significa, porque não foi a ti que ela te disse dias e dias seguidos, com lágrimas nos olhos. Não foi a ti que ela contou cada discussão. Não foste tu que cozinhavas quando ela se metia no banho a fumar e chorar. Não foste tu sabes. Tu apenas fugiste com a merda de um cobarde que és.
Hoje desisto de tudo. E tu nem sabes o porquê. Vou-te contar, sabes aquele amor que tu encontras-te. Aquele bem-querer que tu tanto falas. A vontade de estar com alguém. Pois eu não tive a sorte de conhecer, eu só conheço a parte feia do sentimento que tu achas lindo. Eu só sei o quanto dói não ser boa o suficiente para ninguém. O não chegar. O olhar no espelho e chorar. O vomitar porque não consigo lidar com isso. Isso eu conheço bem. A rejeição. Sabes o que faço todo o dia, eu leio. Leio com aquilo que não vou ter. o amor correspondido, as noites quentes de amor nos braços de alguém. O acordar feliz por saber que alguém te quer. E leio, leio, leio noites dentro, só paro quando a exaustão me vence. E durmo até de manha, para saber que quando acordar vais estar com cara de chateado porque eu dormi até tarde, porque não limpei a casa como tu querias que eu fixe-se. Porque não tens o almoço na mesa como tu ambicionavas. Mas eu precisava de sonhar, a única coisa que eu queria era ser amada. A única. E é a única coisa que não tenho.
Tu nem sabes que me odeio. Que odeio o meu corpo, que quando olho para o meu corpo nu a única coisa que vejo é a gorda, com as pernas flácidas e barriga. Com banhas nos braços e até junto ao peito, toda eu sou banha. Com alguém vai amar alguém assim? Ninguém, com tanta miúda gira que anda para ai. Os que passaram na minha vida só me quiseram comer sabes, nenhum gostou o suficiente.
Desisti, desisti de viver. Não tenho amigos? Claro, ninguém está para aturar a depressiva. Não tenho com quem sair, para me comer prefiro ficar onde estou. Sou o vazio igual ao nada sabes. A enterrar-me a cada passo que dou. Mas tu não sabes, tu não estas e quando estas enterras-te na tua tristeza. Podia fazer uma lista de todos aqueles que não me quiseram, para quem não fui o suficiente, pelas minhas contas devem ter sido por volta de sete oito gajos. Miúdos que eu gostei e que me disseram não. Alguns com desculpas melhores, outros sem desculpas algumas. E eu chorei, eu sofri em silêncio e tu nunca soubeste de nada. Sabes porque que eu choro quando recebo um abraço, porque nunca ninguém mos dá. Sabias que eu não toco nas pessoas que mal conheço, não tu não sabes. Também não sabes que não faço amigas com facilidade. Não sabes que a raquel tem razão e que eu sou uma depressiva. Mas tu não sabes.
Não sabes que a minha vida é uma merda. Tu não sabes o que eu já passei por não ter dinheiro para nada. Tu não sabes. Não sabes que eu não tenho nada de nada.
Não me vou matar de é isso que continuas a pensar. Não vou cortar os pulsos, ou tomar pastilhas ou te mesmo saltar de uma ponte. Vou apenas desistir de tudo, eu sei que já pensei muitas e muitas vezes sobre isso. Mas eu continuo a acreditar vezes e vezes sem conta. Eu sou um monstro. Eu não sou boa o suficiente, só me apetece estar deitada numa cama e não sair de la. Se eu estiver no meu quarto sem nada eu não me vou apaixonar. Ninguem pai, nem a merda de um único homem. Eu nunca ouvi um eu amo-te, por muito falso que fosse. Eu nunca ouvi.
E agora sou assim, com quase vinte e um anos eu sou está merda que ninguém amou. Ninguém. Espero que agora percebas a minha dor.
A tua filha eternamente sozinha