Crónicas : 

O fim da "Macaca"

 
A “Macaca” era um barco tipo poveiro, com quilha, de seis bancos e com uma tripulação de doze homens.
O Galinhaço era o arrais e um dos seus proprietários, em sociedade com a tia Ana Rosa, viúva do Domingos Verde, que após ter naufragado na entrada do portinho, pouco tempo durou.
Dizem que foi de estar muito tempo na água, mas o desgosto daquele lobo-do-mar, foi a sua principal doença, que o levou em pouco mais de dois meses. Deixou ao cargo da mulher criar os três filhos, duas raparigas e um rapaz, a Tia Ana Rosa, de baptismo Ana Rosa Malhão Verde, após ter esgotado as lágrimas salgadas como o mar, arregaçou as mangas e tratou de garantir o sustento dos seus.
Destemida e obstinada, como sempre fora, fizera sociedade com o tio Galinhaço, pai do Amílcar e do Plácido Silva, e exploravam a meias, um dos melhores barcos do nosso portinho.

Ao fim de algum tempo, a tia Ana Rosa que apontava todas as capturas e respectivas vendas, para mais tarde cobrar e no fim da semana fazerem contas, começou a desconfiar que nem tudo era feito às claras e com o seu conhecimento.
Com ou sem razão, desconfiava que havia peixe que era desviado para ser vendido por fora, manobra que era feita com o acordo do arrais. Seria assim? Não o sabemos, mas este foi o motivo porque decidiram acabar com a sociedade.
O Galinhaço dispôs-se a comprar a parte da Tia Ana Rosa, mas ela não queria ceder ao seu ex-sócio. Como tinha boas relações com o Galinhaço, o próprio tenente da capitania veio interceder, para que a recalcitrante Tia Ana Rosa reconsiderasse e vendesse a sua parte do barco ao Galinhaço.
- É para deixar aos seus filhos, mulher! – Argumentava o tenente
- Pois é sr. Tenente, mas eu também tenho um filho e quero-lhe deixar a ele o barco. Vender, não vendo, mas se o Galinhaço quiser, compro-lhe eu a ele, pode-lhe dizer isso da minha parte.

Mas o Galinhaço, desfeiteado por aquela mulher teimosa, também ele não cedeu e após muitas tentativas de acordo falhadas pela intransigência dos ex-socios desavindos, decidiram serrar o barco ao meio, operação efectuada no portinho, perante todo a gente que quis assistir.
Depois de sorteadas as partes, calhou ao Galinhaço a proa e à tia Ana a popa, bocados que, tempos depois, começaram a ser desfeitos para lenha do fogão.
Foi este o triste fim da “Macaca” que se consumiu nas entranhas de ferro dos fogões onde fervia o caldo e que aqueciam as pobres habitações durante o rigoroso e longo Inverno ancorense.

 
Autor
britoribeiro
 
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