Desfiz as malas.
A viagem foi adiada, tive medo de ir porque o ônibus parecia inseguro.
Pensei em arriscar, cheguei a subir os primeiros degraus e avistar minha poltrona.
Mas a covardia me fez voltar, desistir de tudo.
Atirei-me ao sofá arrasada, sentindo-me fraca e pequena.
Vontade de estar lá, mas sem correr os riscos da estrada.
Talvez nem fosse tão inseguro assim...
Poderia ser a minha viagem mais gostosa, mais fascinante...
Quem sabe contemplaria horizontes que só aquele dia teria para me mostrar ou me sentaria com alguém interessante, que me puxasse uma conversa envolvente enquanto eu desapercebia os riscos da viagem...
Tenho vontade de ir...
Prefiro nem saber que a viagem foi boa, que todos nela desfrutaram enquanto meu medo jogou-me neste sofá, paralisada e indecisa.
Enfim, desfazer as malas para evitar lembrar do meu fracasso em enfrentar a vida e desafiar minhas fobias...
E mal abro o zíper da mala e a frustração me toma.
...meus sonhos estavam todos ali, arrumados com tanto carinho, achando que desembarcariam no destino combinado.
Tive vergonha deles porque eram muitos, e eu mesma os arrumei com a promessa de que iriam para o mundo real...
Pesava levá-los, eu já sabia,
mas garanti que os levaria comigo e que os faria realizados.
...não fosse o medo de viajar...
Escondo a face, fecho a mala e digo que vou no próximo horário, para que eles permaneçam em minha mala pacientemente esperando por mim.
Só agora percebo que não reparei se eles têm validade,
alguns podem se desfazer com o tempo...
prefiro não voltar a olhar e me contenho aflita,
não sei se brigando com o tempo ou comigo mesma.
Tenho uma vontade imensa de colocar as mãos em meu intimo e arrancar de vez este medo paralisante.
Mas vejo que as minhas mãos são frágeis e a fonte da minha coragem está no desejo que pouco a pouco podei com as minhas próprias mãos...
Ergo-me do sofá e olho o jardim
de onde uma luz parece brilhar diante dos meus olhos:
as roseiras cresceram muito e faz pouco tempo que foram podadas...
-sou maior que elas, me animo!
...tudo aquilo que podei voltará a crescer, se eu quiser...
(Sandra Lima Costa Melo)
Texto publicado em Antologia Poética 2 - Reunida por Valdeck Almeida de Jesus.