- Cheguei cedo, mas nem assim aconteço nas memórias do mundo. Um mundo feito de histórias. Um mundo feito também de estigmas. O mundo da metafísica e dos sonhos. Um mundo cansado de deuses e de santos pelos caminhos.
- E eu, silenciei os dias para gritar as noites. Roguei perdão pelo cansaço dos meus olhos. Ninguém me diz como chegar ao mundo da lua. Ninguém me ajuda a levitar. Preciso esvair-me neste chão. Este pedaço de terra regado pelas tuas lágrimas, já não precisa de nada mais. Irei permanecer por aqui, até que ouça o uivo do lobo.
- Entendo-te. A cidade é o local dos enredos. Nos becos os gritos ficam mudos. Nem um pingo de luar acaricia os corpos dos mendigos. Lá das montanhas, voaram os falcões e apagaram os ecos que foste largando pela estrada. Precisas de um esboço meu. Só ele te fará erguer e caminhar sozinha. Lembras-te do branco dos meus olhos?
- Carimba-o na face oculta da noite. Deixa-o ficar. Permite que chore. Só hoje, para que veja fios do luar a tecerem novos andrajos para os pobres. Depois afunda-os no meu rio. É doce por enquanto e nada o fará mover-se em direcção ao mar.
- Porque demoras a noite nos teus olhos? Nascer e viver no mundo da lua é como virar o mundo ao contrário. Nem sei porque quero ser a tua lua. Sei lá porque quero que sejas a minha noite.
- Abro-me a ti, mas tu nem sempre me encontras neste ermo, nesta encruzilhada. Foste sempre agoiro no céu. Alteras os tempos e os partos. Mudas a rota dos ventos e as brisas. Castigas os elementos. Fustigas os jardins de pedra. Beijas os mortos e os vivos. Conheces todos os movimentos das estrelas. E eu por aqui à espera. E tu, conhecerás todos os meus segredos?
- Sei de todos eles, mas só um me faz continuar a mostrar-te o branco dos meus olhos - A tua vontade de seguires viagem. Quero que saibas que o tempo das tulipas brancas é agora, ou nunca. Nas mãos dos homens tracei um único destino, chamado tempo de memórias. Nos teus olhos está o mundo virado ao contrário, sempre que os fechas à noite, e os abres pela manhã.
Epifania dos Anjos
participação na Antologia da Lua e Marfim
Resulto de um modo de dizer as coisas, simples e belas, e tu és o meu guia, o meu assunto do dia, para me dizeres também, de quando tudo era branco nos meus olhos…
Epifania & Ainafipe