A máquina de costura desenfiou de novo, com uma paciência calculada pelos bafos que atingiam a franja pendente na testa, óculos na ponta do nariz, lambeu os dedos enroscando a ponta da linha, apontou-a ao buraco da agulha, susteve a respiração e introduziu de uma vez a ponta da linha previamente aparada de filamentos pela ponta da tesoura habilmente manejada entre o polegar e o indicador. Ajustou os tensores da linha, e retirou a canela por baixo da máquina ajustando também os tensores para contrariar a tendência de desenfiamento que a máquina produziu toda a manhã. Pegou noutro colarinho e iniciou pela enésima vez a operação que fazia há anos debaixo das mesmas luzes e do algodão que lhe asfixiava as narinas obrigando-a a respirar pela boca. Pelo canto do olho descobria a chefe de linha como um falcão, atenta a um endireitar de costas que prenunciasse uma conversa com a colega do lado. Ao fundo ouvia-se o matraquear da máquina de casear, ao lado, o da máquina de pregar botões por entre os zumbidos das máquinas corte-cose. Barulho de uma vida, presentes num terço da sua existência teimosa, um outro terço a dormir e finalmente um outro, entrecortado pelo bafejar de bagaço do marido quando se punha a jeito para o fabrico de mais uma vida… Mais uma desenfiada de sentido.