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Este poema é um treino
para não esquecer que posso
brincar de Deus
criando outros fatos
para além
da insignificância
do meu status
de criação
desnaturada.
Crio fatos
de letras
que dizem a verdade
sobre todas as mentiras
e que mentem
com sinceridade
aos cegos que lerão.
Digo que crio,
mas sou só veículo.
Sou só palco.
A palavra desvairada
é a variável certeira
na determinação
da minha quase-criação.
A protagonista.
Haja verbo!
Haja luz!
Haja pus escondido
sob minha pele
no incomodo tátil
de uma espinha imatura.
Este poema é isto.
O apertar sôfrego dos dedos,
avermelhando a pele
em busca de um estouro
com dor e promessa de alívio.
A unha cravada
espremendo o pus da palavra.
Estoure poema!
O poema começa torto
como os anjos de Drummond.
Tem a inocência daqueles
que são paridos de um contexto
ao outro
pela força da contração.
A pereba da alma
repleta de pruridos
expele-se em palavra
fora da pele do poeta.
Eu sou o poeta.
Sou o pai do poema
mas não responsável por ele.
Sou um mero lócus
louco
por onde passam palavras
espinhas,
espinhos.
Depois de arrebentado,
o rebento,
poema,
seca.
Deixa, às vezes, uma marca
como as de um talho de caco
de fato
criado,
parido.
Finjo-me Deus
novamente,
quando acredito que decido
que o poema acabe aqui.
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