Então, dessa vez você para de fumar?
Não estou tão segura, mas o carnaval me motivou mais a parar.
Não me diga, logo no carnaval, onde todo mundo "solta a franga", fuma e toma todas. Custo a acreditar.
É verdade, acabou a folia, após o último bloco, fui na Candelária e coloquei as cinzas na testa pra iniciar bem a quaresma.
Puxa, legal, mas não foram cinzas do cigarro, não é?
Claro, foram as cinzas que o padre coloca lá na Igreja, por isso se chama quarta-feira de cinzas.
Mas, e daí, ano novo, vida nova, acabou a folia, começa finalmente o ano. Parar de fumar não era promessa de fim de ano ou era?
Não, me dirigi lá pro meu trabalho, sempre sobra pra gente nessas horas, sou gari, a quantidade de lixo e enorme e as guimbas então, você nem pode imaginar...
Mas, conte-me então o que foi tão diferente neste carnaval que lhe atiçou a vontade de apagar a chama do cigarro?
Sabe, doutor, aconteceu uma coisa maravilhosa, conheci uma pessoa lá na passarela do samba...
Hum, conte-me até onde não vire confidente de sua intimidade, está certo?
(Risos, Risos) Claro, doutor, vou então direto ao ponto. Esta figura que apareceu lá na passarela não fuma e detesta beijar mulher que fuma.
E então, como você fez?
Eu não iria dar mole, né doutor. Passei no barraca do cara das balas e comprei todas as pastilhas que ele tinha para tirar a saburra de nicotina da língua.
Continue...
Então agarrei o sujeito, após o desfile e não desgrudei mais, afinal homem mesmo tá raro hoje em dia, se você não segura o seu, vem logo alguém pra tomar, e não precisar ser mulher, sabe, doutor?
Nossa, a coisa anda feia mesmo. Mas e aí o que aconteceu para você decidir tão rápido que tinha que parar de fumar.
É que ele ao sentir que meus cabelos cheiravam a fumo, me cobrou uma decisão, ele disse "não fico com Maria Fumaça". Aquilo me doeu fundo, eu fui rebaixada de locomotiva do samba para a velha fedorenta Maria Fumaça.
E aí...
Então disse a ele que tinha tomado uma decisão: fico com meu macho, e largo o maço agora. Peguei o maço - nem olhei para ele de vergonha, era meu amigo de todas as horas já há 30 anos - torci como quem torce o pescoço da galinha caipira para pegar a veia, e sangrei o bichinho, deixando cair lentamente em uma lixeira sobrevivente - depois de tanta folia nem elas escapam - da Praça XI.
Comovente a sua história. O que por amor a pessoa não é capaz de fazer? E a partir daí você parou, certo?
Esta é outra história, doutor! Fomos para a apuração juntos, a nossa escola ganhou o carnaval, me segurei na hora do primeiro copo de cerveja, era quase uma dobradinha, o cigarro com a bebida. Mas ele estava ali ao lado - o macho - eu não poderia vacilar.
Então, se segurou no primeiro teste, ao se por a prova na apuração e na comemoração, certo?
Sim, doutor, foi um sufoco, esta tal de abstinência é mesmo um horror e eu ainda não tinha adesivos, pastilhas ou chicletes de nicotina para aliviar a falta que me fazia esta infeliz - a nicotina.
Mas, a noite fui pro meu turno de trabalho e aí, já não estava com meu novo companheiro, e me ofereceram um cigarro, disseram só "unzinho" não vai fazer você voltar a fumar. E do "unzinho" rapidamente cheguei ao velho maço, que não aceitou a separação, a troca pelo macho.
E como pretende fazer de agora em diante?
Doutor, se puder quero parar novamente a partir de hoje, pois vou ser apresentada pra futura sogra, que além disso é carola, irmã de Maria, a coisa vai ficar feia pro meu lado se chegar lá fedendo a cigarro.
Está bem, então vamos começar o tratamento para você entrar em abstinência... leia estes materiais de ajuda... e use estes medicamentos... conforme a sua preferência, mas não fume enquanto usa o adesivo, está certo? Além disso, retorne na próxima semana para a atividade de terapia em grupo, se quiser pode trazer seu companheiro, quero dizer o novo companheiro, o velho deixe onde está, na lixeira ou na prateleira da venda.
Tudo certo, doutor vou seguir sua orientação e trocarei definitivamente o maço pelo macho.
AjAraújo, o poeta humanista, escrito em 2-4-2014, baseado em uma história real de uma paciente fumante.