Mesmo que os filhos, por uma questão de aferir a sua autonomia, tentando demarcar-se do controle obsessivo da progenitora, não gostem de estar debaixo da asa das mães, daquelas que se dizem galinhas, a verdade é que há uma hora em que sabe bem poder contar com o seu apoio, que, expetavelmente, deveria ser incondicional.
Paulo atingira a maioridade, numa altura em que as dúvidas quanto à sua inclinação sexual lhe começavam a assolar a mente. O normal seria sentir-se atraído para com as colegas e amigas do sexo oposto, ao invés de as suas hormonas se comportarem nesse sentido, o único sentimento que percebia nutrir pelo género feminino era amizade, simpatia, companheirismo e alguma curiosidade pelo universo colorido e fantástico e incompreendido das mulheres.
Por outro lado, ele próprio não encontrava explicação para o facto de achar os rapazes da sua idade muito mais interessantes do que as raparigas, pois em nada era efeminado, muito pelo contrário, Paulo era sóbrio e pouco extrovertido, gostava mesmo era de passar despercebido.
A mãe começava a questioná-lo acerca de eventuais namoricos e não conseguia perceber o desconforto do filho, sempre que tocava neste assunto. Costumava comentar com as amigas que o filho era um jovem reservado. Já a irmã era uma adolescente muito mais efusiva, colecionadora de um vasto leque de amizades, sempre pronta a impor-se através de uma gargalhada de quem sabe estar de bem com a vida e com a alegria inata dos verdes anos.
À medida que os anos foram passando, os estudos foram absorvendo Paulo, funcionando como desculpa para o isolamento que optara, como estilo de vida, ou a falta de tempo para dedicar a uma namorada ou aos amigos que, a pouco e pouco, acabava por descartar, por receio de se expor demasiado e tornar visível, aquilo que nem ele próprio queria aceitar, a sua homosexualidade.
Ao fazer erasmus na Roménia, acabou por partilhar um T0 com um colega de nacionalidade francesa e a amizade rapidamente evoluiu para algo mais íntimo, o que era previsível acontecer, mais cedo ou mais tarde.
Paulo achou que estaria na hora de confidenciar aos pais a sua opção sexual, na convição que ambos acabariam por aceitar, por serem pessoas com formação e bem informadas.
Depois da surpresa inicial, os progenitores reagiram de forma diferenciada. O pai compreendeu e aceitou, mostrando ao filho que tal como não interferira na escolha da sua área profissional, também o respeitaria pela sua escolha, desejando-lhe apenas que fosse feliz.
Já a mãe entrou, automaticamente, em estado de choque e rejeição pela revelação do filho, tendo como única reação:
- Só podes estar a brincar comigo!
Depois de constatar que Paulo nunca fora tão sincero com ela e que estava ali de coração aberto, esperando, somente, a benção e compreensão dos pais, acabou por beliscar a relação que mantinha com o filho, criando entre ambos uma barreira dolorosa e intransponível:
- Fizeste a tua opção, a partir de agora não és mais meu filho!
Paulo encontrou-se com o pai num café e apresentou-lhe o seu companheiro, sendo obrigado a afastar-se da mãe, com quem sempre tivera uma enorme cumplicidade.
Por mais que a família e os amigos tentassem mostrar a Marta que estava errada no juízo de valores que fizera, o preconceito tomou conta de si e jamais voltou atrás na sua decisão.
Por tristeza ou remorso, uma depressão, seguida de outras complicações que a remeteram para um coma induzido, apossou-se dela. Poucos meses depois, à cabeceira de um leito de hospital, dias antes da sua morte, Paulo, médico recém formado, susurrava-lhe ao ouvido, aquilo que nunca veio a saber se Marta terá ouvido:
- Amar-te-ei sempre, mãe! Desculpa, não ter sido o filho que gostaria que fosses. Um dia, quando nos voltarmos a encontrar, num universo desprovido de preconceito, vais perceber o que é o amor incondicional...
Maria Fernanda REis Esteves
54 anos
natural: Setúbal