Somos todos casos excepcionais. Todos queremos apelar de qualquer coisa!
Cada qual exige ser inocente, a todo o custo, mesmo que para isso seja preciso inculpar o gênero humano e o céu.
Contentaremos mediocremente um homem, se lhe dermos parabéns pelos esforços graças aos quais se tornou inteligente ou generoso. Pelo contrário, ele rejubilará, se se admirar a sua generosidade natural.
Inversamente, se dissermos a um criminoso que o seu crime nada tem com a sua natureza, nem com o seu caráter, mas com infelizes circunstâncias, ele ficar-nos-á violentamente reconhecido. Durante a defesa, escolherá mesmo este momento para chorar.
No entanto, não há mérito nenhum em ser-se honesto, nem inteligente, de nascença! Como se não é certamente mais responsável em ser-se criminoso por natureza que em sê-lo devido às circunstâncias.
Mas estes patifes querem a absolvição, isto é, a irresponsabilidade, e tiram, sem vergonha, justificações da natureza ou desculpas das circunstâncias, mesmo que sejam contraditórias.
O essencial é que sejam inocentes, que as suas virtudes, pela graça do nascimento, não possam ser postas em dúvida, e que os seus crimes, nascidos de uma infelicidade passageira, nunca sejam senão provisórios.
Já lhe disse, trata-se de escapar ao julgamento. Como é difícil escapar e melindroso fazer, ao mesmo tempo, com que se admire e desculpe a própria natureza, todos procuram ser ricos.
Porquê? Já o perguntou a si mesmo?
Por causa do poder, certamente. Mas sobretudo porque a riqueza nos livra do julgamento imediato, nos retira da turba do metropolitano para nos fechar numa carroçaria niquelada, nos isola em vastos parques guardados, em carruagens-cama, em camarotes de luxo.
A riqueza, caro amigo, não é ainda a absolvição, mas a pena suspensa, sempre fácil de conseguir...
Albert Camus (1913-1960), ensaísta, escritor e filósofo franco-argelino, In: A Queda.