Trago comigo ruídos das vielas da cidade
Trago em mim tudo que vi e senti, sem festim
Passos apressados, cheiro a peixe frito
Caras inexpressivas, árvores nuas do jardim
O grito de contentamento da criança, atrás das pombas
O rodopio das folhas secas levadas pelo vento
O velho cego do acordeão, de nariz arroxeado
Que vende lotaria e toca sempre o mesmo fado
O marginal que chora por uma moeda ou uma sopa
A prostituta atenta, encostada à porta, sem alento
O pregão dos vendedores, os gritos dos arrumadores
A máquina existencial de dispare funcionamento.
Assim fiz o meu caminho, sozinha, observando
Trouxe vidas à minha vida solitária, de divagações
Memórias à sombra onde me abrigo a descansar
E os pensamentos enrolam-se, presos nas visões
Revendo formas, cores, gestos, sons e cheiros
Lentamente vou-me desprendendo com fadiga
Distanciando-me das imagens que vão fugindo
Cansada, de andar atrás dos outros, de outra vida.