VIDAS QUE NOS TOCAM…
Minha amiga:
Hoje tive um dia muito intenso! Acredita que apesar do meu cansaço, posso considerar-me realizada por tudo o que consegui fazer. Levantei-me de manhã bem cedo e fui ao supermercado fazer algumas compras para aquela família que vive na casa de que te falei, se é que se pode chamar casa àquele aglomerado de chapa e plástico!
O caminho para lá é de fraco acesso, e tem que ser feito a pé, ao lado esquerdo do apeadeiro do comboio. Desce-se cerca de 1 km por um trilho coberto de pedras e silvas, e quando se chega a meio, dá vontade de deixar rebolar os sacos e voltar para trás! Mas..., lá em baixo vivem crianças de grandes olhos azuis, para quem um sorriso, ou 1 brinquedo mesmo de pouco valor, contam muito! Nâo posso deixar de ver esses olhos brilhar de expectativa, ao abrir um pequeno presente, enfeitado com um grande laçarote.
Sabes, o povo não gosta que se lhes fale de fome! “É a crise” dizem, como se dessa forma descarregassem a sua consciência, descartando-se assim de uma realidade que é de todos. As pessoas não têm tempo, nem vontade, nem disposição para ouvir falar da miséria dos outros, e acham que cada qual deve viver com a sua. Como se isso resolvesse o problema! Mas, voltando à casa de lata, mais conhecida pelo “barraco da Inês”, devo dizer-te que ficarias surpreendidíssima pelo asseio e pela ordem que ali reina! Há um grande contraste entre o exterior e o interior! Realmente dá gosto observar os poucos móveis já fora de moda, e que foram oferta de alguma alma caridosa, a brilhar como um espelho, de fazer inveja a muita senhora “queque” que se passeia por aí! O problema é que o barraco não é à prova de água, e quando a chuva é mais intensa, lá anda a pobre da Inês a colar pedaços de chiclete para impedir que se molhe tudo lá dentro.
No regresso a casa encontrei a Dª Guilhermina. Imagina que está cada vez pior, a idade vai pesando e a coluna vai-se degradando cada vez mais. Mesmo assim, com a sua habitual simpatia disse-me que estava muito contente, pois apesar de tudo, o seu neto lá conseguira o tal emprego na Câmara como varredor. Não era própriamente aquilo que desejava, mas nos tempos que correm é melhor aproveitar o que aparece! Quantos há, com uma licenciatura, a dembular pelas ruas gastando o dinheiro aos pobres dos pais, que se vêm aflitos para gerir o orçamento, que cada vez dá para menos!
Na última carta perguntaste-me se era feliz, lembras-te? Não é fácil responder a essa pergunta! O dicionário define felicidade como: ventura, bem-estar, contentamento, qualidade ou estado de quem é feliz, bom êxito. Achas que nos tempos actuais alguém pode responder afirmativamente a tudo isto? Mas, realmente ser feliz não pode, nem deve depender dos outros, mas sim de nós mesmos. A vida é feita de momentos bons e menos bons e, nós temos o direito de decidir por aqueles que nos dão mais ânimo e alegria. Eu posso dizer-te que sou feliz quando chego a casa e o meu filho pegando-me ao colo, diz que sou a melhor mãe do mundo; ou quando vou lanchar com as minhas amigas e falamos, falamos até já não haver nada mais para dizer! Sou feliz por ter ainda a minha mãe com saúde, e uma família que se preocupa comigo; sou feliz por ter dias como os de hoje que me ajudam a estar ocupada e sentir que sou útil! Minha amiga, sou feliz sempre que valorizo as pequenas coisas!
Manuela Matos
Escrever é uma terapia...