Poemas : 

À Morte de uma Donzela - Opereta -

 
(Seguem pelos Céus, entristecidas, melancólicas, muitas pombas a voar …)

Narrador:

Voam tristes tantas pombas
por aqueles ermos calados
como um cortejo de sombras
cheias de penas e pecados …


(Escutam-se muitas vozes, tantas vozes, mil vozes e mais …)

Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(Num imenso cortejo, vai a sepultar, uma linda Donzela…)

Narrador:

Caminha o préstito funéreo
por entre montes e vales,
e em triste desidério,
ouve-se ao longe a voz do vento,
num longo gemido etéreo,
qual tristeza d ’um convento,
qual silêncio n’um cemitério!

Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(O préstito funéreo entra no cemitério do Além … e por ser tão bela, a pálida Donzela, vai a sepultar num esquife de Cristal.)

Narrador:

E não há flor que não sucumba,
por sobre o branco d ’uma tumba,
ao ver morta, tão gelada,
uma Donzela, tão pura, tão bela,
de face esquálida, sem cor,
cabelos finos, d ‘ um loiro incolor,
uma Jovem, um ardor!


(… e surge, trajando negro luto, de capuz sobre a cabeça! Não se lhe via o rosto …)

Alguém:

Leva sobre o peito as mãos em cruz,
entre elas, dois lírios cerrados,
dois olhos, grandes, fechados,
sem Vida nem Luz!


Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(No Cemitério …)

Narrador:

E cai o entardecer sobre o montado,
vem o Luar,
que naquele Eterno lugar,
de Alma palpitante,
arranca da Terra
gemidos profundos,
tristes melancólicos, moribundos,
soturnos, longos, penetrantes …

Alguém:

Ouve-se um sino a dobrar!
Há gente a partir!
Uma Mãe a chorar!

Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …
(E fala o Narrador pelo triste cemitério …)


Narrador:

Passa o vento pela rama dos Ciprestes
e lê-se nas alvas campas, tão singelas,
cobertas de brancas açucenas,
longos Epitáfios de solidão,
que sepultam em nosso Coração,
tantas dores, tantas penas …

E aquela pobre Donzela,
murcha, serena, pálida-flor,
guardo-a na alembrança,
fria, desfeita, sem cor …


Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(E antes d’ir a sepultar, rodeando o esquife da Donzela, muitos a vieram lamentar …)

Narrador:

E antes d ’ir a enterrar,
já no cemitério do Além,
tantos Povos, tantas Almas,
tanta Gente a veio chorar …

Com flores,
vieram adornar
a Linda Garça,
que agora, morta, fria,
cinzenta, não tem graça!

Todos a quiseram adorar
num ultimo instante!
E era já entardecer
quando muitos dos presentes
a vieram venerar …

Os Pobres, junto ao esquife,
traziam fome nas mãos,
depois de a chorar,
rezaram sobre o caixão:


(Sujos, rotos e despojados …)

Pobres:

“ Ai Senhora! Ai Senhora!
Está gelada vossa mão!
Ai Senhora! Ai Senhora!
Ai do vosso Coração!

Ai É! Ai É!
A Senhora É da Morte.
Ai É! Ai É!
É a nossa triste sorte.

Ai Não! Ai Não!
Não ides ao Além …
Voltai! Voltai!
Que sois o nosso bem.

Ai Senhora! Ai Senhora!
Ai Senhora-da-Solidão …
Tão morta, tão gelada,
no fundo d ’um caixão! ”

Alguém:

Ouvem-se choros e rezas,
ladainhas e gritos
num ambiente
de pura desilusão …

Narrador:

E os pobres, avassalados
por uma dor sem fundo,
regressaram trespassados
à realidade do mundo!

Pois jamais tornarão
pela Vida em comunhão
a ser aconchegados
por tão nobre Coração …

E pedem pelas ruas
infinita Compaixão,
os pobres, os pedintes,
os desgraçados!

Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(Amparada pelas Aias, aproxima-se a Mãe da pálida Donzela …)

Narrador:

E ante aquele desespero,
na saudosa partida,
aproxima-se a Mãe,
intima, contida,
pisada, lacrimosa,
de negro vestida,
tapada por um véu
de renda tecida!

Trazia em mãos
os mil perdões
da Cruz de Cristo!

Suas lágrimas derramadas
sobre o esquife,
fizeram daquele instante,
um momento de comunhão,
um momento nunca visto!
O cenário do cemitério
era de pura consternação!

E ao vê-la sobre a filha, alguém gritou!
… dor, espuma, espanto …
E num casto quebranto,
o véu negro da Senhora, voou!

E ante olhares incrédulos do Coração,
por breves instantes, p’lo vidro do caixão,
a pobre Donzela, tão pura, tão bela – expirou!
E de repente, alguém gritou: “Ressuscitou!”

De seus olhos cerrados, duas lágrimas apenas,
Puras, funéreas, reluzentes, nada mais…
E o motim parou!

De novo, pelo espaço, muitos ais,
tantos ais e mais …

E sua Mãe, ainda debruçada sobre a urna,
em intima vigília, rasgada e doce,
recita amargurada:


(Desesperada, debruçada, derramada sobre o esquife, lamenta-se a triste Mãe…)


Mãe:

“ Partiste sem que os olhos te cerrasse,
de Mãe, um beijo fervoroso deixo,
e entre soluços de materno canto,
talvez se agora me matasse,
transformasse este meu pranto!

Porque te foste sem dizer adeus
àquela que te gerou?!
Carne da minha carne, sobe aos Céus,
que meu Coração, aqui, na Terra, já parou!
Vai contigo a sepultar.
foi tua morte que o matou!

E de Nós o que sobrou?!
Apenas este negro sobre o corpo!
Mas até o Véu já se rasgou!
Afinal, nada em Nós, por Nós,
de Nós restou!

Só a tristeza que é enorme
neste adeus que é tão sentido,
meu Coração palpita estremecido
separa-nos a morte –
- dorme minha Filha! Dorme …”


Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


Narrador:

E poisando a Cruz sobre o caixão,
retirou-se a Mãe da pálida Gazela!
Mas não antes, num ultimo acenar,
de pelo vidro, deslizar a mão!
O Povo ajoelhou! Parou de chorar!
E fez-se um tal silêncio
que até o sino da capela se calou!


- Silencio -


Nada mais naquele instante se escutou
a não ser os breves passos amparados,
tão amargos, tão singelos
da Senhora que se retirou …

Alguém:

O Povo torna a chorar!
O Sino volta a dobrar!


Narrador:

Muito nesta Vida já hei visto,
Nada que se compare àquele instante!

Mas nisto, ao longe, avista-se o amante,
jovem ferido, triste e apaixonado,
o que lhe fora prometido,
um noivo, um marido!

Afastam-se os gentios!

Acerca-se o Nobre Cavaleiro
de capa branca a esvoaçar!
Vinha pálido, sentido, a chorar …

Ajoelha-se aos pés da sua Amada
e numa leve Toada,
recita-lhe a cantar:


Alguém:

Volta o Povo a ajoelhar!
Torna o Sino a se calar!


(Ajoelhado aos pés do esquife de Cristal, de cabeça inclinada, o jovem, trespassado, semeia lágrimas no chão do cemitério …)


Cavaleiro:

“Venho dizer-te, adeus, amada breve
da minh’Alma desarreigada,
agora branca, esquálida, fria como a neve,
sem Sol, sem Céu, sem alvorada!

Adeus ó meu Amor, envolvido num Sudário,
meu sonho perfumado, alegre e jovial!
Ver-te partir, é em mim, a dor igual,
à dor do Cristo no cimo do Calvário!

Meu Amor, meu Amor,
porque me abandonaste?!
Onde estás, onde foste,
porque me deixaste?!

Adeus ó frígida flor dos meus anelos!
E se um dia te alembrares
do meu Amor, fatal e triste,
recorda este Adeus de despedida
que entre lágrimas me ouviste!

Que eu, neste mundo ficarei,
mergulhando a Alma em áridos abrolhos,
porque minha única alegria
será lembrar-te viva, com lágrimas nos olhos!

Meu Amor, meu Amor,
está perdido meu Coração!
Porque o deixaste tão ferido,
abandonado nesta Vida,
entre escolhos-de-solidão?!”


Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


Narrador:

Alevanta-se o Jovem Cavaleiro
ante o ataúde fechado!

E num acto triste e derradeiro
desfolha Rosas encarnadas
sobre o vidro que tapava
o corpo da sua amada!

E ali estavam,
duas Almas apaixonadas,
uma Viva, outra finada…


Alguém:

Uma badalada!
Duas badaladas!
E o sino da capela
retomava as dobradas!


(Alevanta-se um forte vento pelo espaço…)

Narrador:

E as pétalas-de-rosa
sobre o tampo que guardava
aquele corpo moribundo,
pareciam pétalas-de-sangue
que espalhadas adornavam
o seu rosto tão jucundo …

Um sangue que jorrava
d’um Jovem tão formoso,
d’uma Alma enamorada!

Mas o vento levou as Rosas
pairando pelo ar,
e num último intento,
o Cavaleiro correu audaz!
Mas logo se apartou
num triste desalento …

De sua amada nem as Rosas,
nada lhe ficou!
Foi o vento – e tudo o vento lhe levou! –

Alguém:

O Povo suspirava!
O Cavaleiro desistira!
E o Sino dobrava!

Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(Velho, gordo e sisudo, lento, amparado pelo braço do Sacristão, entra o +Padre no Cemitério, em direcção ao esquife da defunta. Alva branca envergada, estola negra ao pescoço e Água-Benta na mão …)


Narrador:

O +Padre, homem velho e doente,
antigo Mestre, abade d’um Convento,
vem ao cemitério, assegurar,
que aquela fria partida,
aquele triste lamento,
eterno penar,
não tinha simples culminar,
num sopro do vento!

Era preciso rezar, conduzir,
Encaminhar, aquela Flor,
pobre Donzela, tão pura,
tão bela, ao Regaço do Senhor!

E qual Penhor d’Eterna Glória,
o +Padre, num sermão,
ergueu a fala, deixando Versos
na memória …

Padre:

“Que frio à lembrança
nos traz esta partida,
uma pobre criança
que agora está perdida …

Morreu! Minha Gente!
Tinha 20 anos! Ó Deus, e não há-de
haver Piedade, para quem tão tristemente,
já está morto nesta Idade?! …

Que triste Verdade!
Que até os Astros se ocultam
nesta Eterna Saudade!
São 20 anos que sepultam!



“… e assim aquela Vida
tão fresca e tão florida
na Terra se escondeu …
Que tristes desenganos!
Morreu, tendo vinte anos,
vinte anos, e morreu! …”


Conde de Monsaraz



E que esta santa cova
que em breve vos recebe
seja casa nova
seja morada breve!

Vai dar-se à sepultura
uma criança morta
que se bateu com bravura
mas que à Vida fechou a porta!

Vai minha Filha
sobe ao Alto dos Céus
serás Estrela que brilha
no Manto de Deus!

E ao Mundo que lhe importa
a amarga desventura
que a Vida descolora
desta pobre criatura?!!

É hora! É hora! Que horror!

Seja-lhe a Terra breve
que quando a aurora vier
sua Alma paire, tão leve,
na Glória-do-Senhor!

Ó minha Filha … vai … vai …
… encontra em Deus um novo brilho
para este eterno quebranto …

Vai minha filha … vai …
… em Nome do Pai …
… do Filho …
… e do Espírito Santo …”


Narrador:

E frente ao esquife da Donzela,
tão pura, tão bela,
o +Padre-eterno,
tão gordo, tão velho,
dá um passo em frente,
e erguendo a mão, mirando o espaço,
traça sobre as gentes, a Cruz de Cristo!
Estava o Corpo abençoado
e com ele o Povoado!

Estava frio! Chovia! Era Inverno!

Aquele enterro terminava!
Estava visto! Consumado!

Alguém:

O Povo, dilacerado, chorava!
O +Padre, vagaroso, saia!
E o sino, cansado, dobrava!

Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(O Coveiro e o ajudante pegam no esquife da Donzela e descem-no lentamente à sepultura. A tristeza é geral! Cai a Terra sobre o vido do caixão e uma lousa, branca e fria, é depositada sobre a cova …)


Narrador:

E até coveiro
homem rude e grosseiro,
foi apanhado pela mágoa,
ao vê-la lívida , tão nova!
Que quando a fez descer à cova
em ataúde de cristal
e lhe viu os olhos rasos d ’água
foi trespassado por um punhal!


(Todos saem do cemitério. Mas ficam junto à tumba da Donzela, o Poeta e o Cavaleiro …)


E junto à sepulctura,
um Poeta olha o Ceu!

Então recita-lhe estes versos,
pejados de saudade,
cobertos por um véu …

O negro-véu da triste-Mãe
que outrora se perdeu!

Poeta:

“Voai ó Pombas, voai,
que o vosso voar é Vida,
chorai p’los Ceus, chorai,
neste adeus de despedida!

Rasgai os Ceus, rasgai,
que a Donzela está perdida,
e lívida, lá vai,
num esquife de cristal,
sepultada pela morte
em Terras de Portugal!

E num eterno separar,
deixa o noivo a penar,
sofrido a chorar,
por sobre a campa debruçado!
Coitado! Tão triste! Tão mal!
Ó Pombas, chorai, chorai,
p’los Ceus, chorai …
Que hoje foi a sepultar
uma beleza sem igual!

Está morta!
P’ra sempre morta!
Desfeita, a pobre Donzela,
tão pura, tão bela …

Chorai, chorai, p’los Ceus,
Chorai …”


Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(O Poeta sai do cemitério, e o Cavaleiro fica debruçado sobre a campa …)

Narrador:

O Poeta retirou-se …

E o Jovem, apaixonado,
chorando, prostrado,
debruçado sobre a campa,
matou-se!!! …


(O Cavaleiro suicidava-se por Amor …)

Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(… e soam muitas vozes pelo espaço … as vozes que pela eternidade passariam a ecoar …)

Todos:

“Ai! Pobres dos Amantes,
pobres dos Amados,
que na morte ficam Unidos,
mas da Vida,
para sempre, separados!...”


Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(Num acto de Misericórdia e compaixão, o Povo, sepulta o Cavaleiro suicida, junto a sua amada …)

Narrador:

E sobre a lousa-fria
um epitáfio para sempre
daquela dor nos falaria:


EPITÁFIO

“Aqui jaz, dois Amados,
tristes, sepultados, sem Paz!
Na Vida desencontrados,
mortos, desunidos,
para sempre separados …”


Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


(Um escultor, esculpe na pedra da sepultura, dois amados, um debruçado sobre o outro …)

Alguém:

E eis que a morte Unia,
o que a Vida separava!

Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …


Da dor-de-Autor:

E aqui fica a minha Alma,
escrita, magoada, límpida, contida,
Donzela casta, pura e bela,
tantas vezes morta, sepultada,
em olhares palpitantes,
nuvens desbotadas, gélidas muralhas,
em noites soluçantes!

Vivi a Vida em lado errante!
Bem o sei! Mas agora,
sinto-me mutante, amante,
de outras Almas fluctuantes!

E por isso, Ressuscitei!

Lágrimas silenciosas
que tantas vezes derramei
sobre as sepulturas da Vida,
ficam escritas, delicadas,
sedosas, poetizadas,
nesta Obra tão singela,
que entre escolhos e quimeras
nestas páginas deixei!

E agora, parto para Deus!
Com a Donzela seguirei …
… adeus … adeus …

Coro:

Está morta!
Todos sabem que está morta
a pobre donzela.
Tão pura, tão bela …



Ricardo Louro
no Estoril









Ricardo Maria Louro

 
Autor
Ricky
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