Já não sinto as mãos, as minhas pernas há muito me abandonaram e a inutilidade do meu sexo deixou a saudade de momentos de prazer.
Sinto-me amarrado a esta cama, se é que não o estou. Fui abandonado, não é que não me venham visitar regularmente, sinto-me assim só isso.
Deixei de ser parte activa na sociedade desde o acidente, desde que as minhas pernas deixaram de me obedecer, desde que o meu fígado convalesceu e os meus rins deixam de trabalhar convenientemente.
Mudam-me as fraldas de quatro em quatro horas como se fosse uma criança. Não é bela a forma do ser humano? Quando se é bebé não se tem controlo sobre as necessidades, quando se chega ao culminar da velhice perdem-se essas faculdades.
Por vezes quando chega o enfermeiro Brutus (chamo-lhe desta forma pois é o enfermeiro mais massudo que alguma vez vi) tenho a oportunidade de ir sentir o cheiro menos pesado do exterior. Odeio o cheiro dos hospitais, onde estou existe uma mistura entre hospital, fezes e urina, odeio-o.
Li uma vez:
"Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo..." Álvaro de Campos
Encontro certo significado nestas palavras.
Já não sou útil a ninguém, pior não sou útil a mim mesmo.
Sinto repulsa pelo que resta de mim, enojo-me.
Tenho que por fim a isto.
E foi sem dificuldade que arranjei algo com que acender a minha chama...
«Incêndio em lar de idosos mata três pessoas
Pelo menos três morreram na sequência de um incêndio num lar de idosos em Serpa que alojava 102 pessoas. O incêndio, que já foi extinto, atingiu por completo o andar superior do lar de S. Francisco.
( 11:53 / 31 de Dezembro 07 )»
Acendeu-se, fechou os olhos e dormiu.