Quem é esta voz que fala comigo
Nesta tarde sem amada ou amigo?
É algum louco a gritar?
É o canto de Zaratustra
Que me esconjura
De toda a Literatura?
É o corvo a grasnar
Sobre os restos de um altar?
A voz do idólatra e do iconoclasta,
Uma noite repleta de fantasmas,
Aquele louco alvedrio
Que levou Hamlet ao assassínio?
O gênio, a musa ou Mefistófeles
Nesta tarde sem fé, esperança ou padre,
Ou o canto do meu peito
Quando me encaro num espelho?
Meu corpo confrange-se. Salto da cama
A pressintir todos os desastres,
Corpos que se lançam em chamas
A encarar a face da insânia,
A barca sem Caronte
Para nos atravessar o Estige e o Aqueronte,
Abutres a bicar-nos acorrentados
A sombras e cáucasos,
Tântalo a beber um rio atro
Que escorre da nossa fome.
De pé, grito no breu
Do meu quarto:
Meu Deus!
E a voz enfim responde:
Meu deus, meu deus, meu deus
E some...