Crónicas : 

Memória.

 
Fazia tempo que eu não escrevia. Achava que era apenas alguma ausência de pensamentos poéticos ou algum simples desleixo misturado com uma preguiça aguda. Mas deparei-me com a realidade, descobri aquilo que tanto escondia que de tal forma até esqueci-me de procurar. Lembrei que odeio me visitar.
Sim, cada quadro na parede me traz a angustia de uma memoria imbatível e inexorável. Cada monumento de decoração, intocável, de partir qualquer coração. Sempre que entro fico preso pela porta emperrada de emoções. As janelas rangem assustando qualquer pássaro que aguardava um sonoro e alegre bom dia. O pó consome os carpetes, as colchas de retalhos que cobrem as camas que resguardam as noites mal dormidas. É como visitar um parente distante que está doente, você sente e logo vem a velha tristeza que te abate. Mas não, você não chora. Você sente por seu parente mais próximo estar sofrendo, por estar perdendo alguém ou até por não ter conhecido profundamente tal pessoa que já estás sendo carregada pelos abraços da morte, sente por um fim de história mas logo de cara, aceita. Quando olho meus álbuns antigos de fotografias, sinto o mesmo. Não quero viver aquelas emoções novamente, mas sinto falta delas. Não quero mudar as decisões já tomadas, mas me arrependo. Quero me arrepender, mas um sorriso no rosto já foi bordado.
A casa é tão vazia e velha que nem os ratos ousam roer interrompendo tal mórbido silêncio. É casa de campo, confortável feito a solidão. Desesperador, feito a solidão. A cada aconchego no sofá já sobe aquele cheiro que me traz alergia aos olhos e entope o nariz. Os olhos ficam vermelhos até escorrer, a boca racha como chão de terra seco, esquecido. O peito aperta até descobrir que não é a alergia que me afeta, mas sim a saudade que me visita. Ela entra sem ser convidada e já logo pede algo para beber. Poe os pés na mesa de centro e te derruba as mais obvias e cegas moralidades. Quando termina de beber o copo cheio de lágrimas, se levanta, te beija na testa, e vai. Tão de repente, que você sente, saudades.
Andando pela casa, você vê taças quebradas, coladas e sofridamente disfarçadas e outras nunca usadas. Você vê fiapos do casaco da indescritível visita da saudade. Você vê pessoas que já foram conversando em pequenos flashes. Você vê tudo em um devaneio que não te mostra nada. Pela janela você a vê de pé, te olhando e observando, mas você eu já sei quem é. Olá angústia, não precisa entrar que só de olhar você me faz lembrar. Uma visita que não fala, não interage, apenas te olha. Uma visita que você conta tudo sem nem pisar em sua casa. Na janela, ela aparece e some.
Abrindo alguns armários você encontra peças de roupas que não te serve mais, mas que você insiste em experimentar. Elas te apertam, sufocam mas você veste por um simples agrado no espelho. Acho que vou telefonar para a saudade e dizer que sua presença pode ser bem vinda. Remexendo em algumas peças vejo a melancolia sentada e chorando atrás dos paletós do cabideiro. Ela me olha e corre assustada para outro canto da casa, esperando ou não, ser encontrada.
Depois de algumas visitas, de várias emoções, de varias memórias lidas e relidas. Eu repenso, o que me falta olhar? E percebo que o único número que restou na agenda, escrito a lápis e já meio apagado, era o único que eu tinha que ligar e procurar.
Alô, felicidade ? Venha me visitar, temos uma casa para limpar.

 
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BrunoPereiraGarcia
 
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