Barão Drakos.
O tempo tornara-se seu maior rival, e nada lhe adiantaria, caso não compreendesse num curto espaço de tempo, tais manuscritos que continham os tratados das viagens através das dimensões.
Seus inimigos atacavam por todos os flancos, e a esta altura já perdera muitos de seus soldados, e pra piorar o rei havia caçado seu título de barão. Estava só para decifrar o enigma que abririam as portas para a vitória e reconquistar o poder de seu baronato.
Debruçado sobre tais manuscritos de difícil compreensão, numa língua a muito tempo extinta, tentava em vão decifrá-los sobre a luz de vela, que lentamente ia consumindo nas chamas o vigor de seu raciocínio. A cera ia pouco a pouco derretendo, como se fosse um relógio marcando seu destino.
Quando a chama da vela estava quase a se apagar o Barão Drakos caiu num sono profundo.
Estava nos subterrâneos de seu castelo, cujo lugar não era o mais indicado para adormecer, pois sonhar ali poderia ser fatal. Abririam os portões de mundos demoníacos, e estes lhe consumiriam a alma de sua parte humana, porém herdou de seu avô uma fração desse sangue não humano e demoníaco.
Em sonhos viajou ao passado, e o único ser que poderia lhe ajudar a decifrar tais manuscritos era um gato, que convivera na infância.
A imagem que via do passado era do alto da janela de seu quarto, no jardim, podia observar sua mãe carregando-o bruscamente pelo braço. A sensação de se olhar no passado, era igual ao imaginar uma luz atravessando uma pequena fresta nas paredes do tempo, para que pudesse resgatar algo que lhe fora roubado. Aquele garoto que se via da janela sendo levado pela mãe era ele mesmo, porém sua mente dificilmente aceitava a ideia de que podia estar simultaneamente em dois corpos, ou três, caso olhasse para o futuro.
Repentinamente as espessas paredes de pedras do castelo não ofereceram resistência e seu corpo as atravessou, e começou a cair em direção ao garoto, mas num piscar de olhos, já estava no corpo do garoto sendo carregado pela mãe, e com muita raiva, chorava incessantemente.
- Já lhe disse mil vezes para não brincar com esse gato. Disse a mãe. Ele é um ótimo caçador de ratos, só isso. Poderá sofrer novos arranhões como o da última vez.
- Só porque levantei ele pelo rabo, e deve ter doido. Foi por isso que ele me arranhou, mas agora não farei mais isso. Prometo.
- Não estou nem um pouco interessada em suas promessas. Quando for um senhor feudal, já adulto poderá fazer o que lhe vier em mente, mas por enquanto terá de se submeter as minhas ordens. Entendeu?
- Meu avô sempre deixa eu brincar com o gato.
- Ah! O velho Barão Brutus, também adora esse gato. Apesar dele ser teu avô, muitas vezes seus exemplos não são bons para você.
- O gato me disse que a senhora é uma tola.
- Já falei mil vezes que gatos não falam. E não fale dessa maneira com sua mãe.
- Mas este fala comigo, e que posso fazer? Irei dizer tudo ao meu avô sobre o que está fazendo comigo.
- Se ousar comentar, ficará sem seu cavalo de madeira.
O pequeno Drakos foi levado para o quarto, e ali ficara só, mas quando a noite chegou, a luz do archote projetou a silhueta do gato sobre uma das paredes.
- Vai embora daqui. Disse o pequeno Drakos para a sombra do gato.
- Pensei que quisesse minha companhia?
- Não é isso, é que sempre fico de castigo quando falo com você.
- Dessa vez ela não virá nos incomodar.
- Como pode saber?
- Ora! Gatos sabem quando alguém que nos detesta está se aproximando.
Na maioria das vezes apenas a sombra do gato aparecia no quarto do pequeno Drakos, para conversar, mas isto quanto seu acesso era proibido no interior do castelo por sua mãe. Aquela situação, do pequeno Drakos ser visitado apenas pela sombra do gato passou a ser encarada com naturalidade depois de frequentes visitas.
- Tem algo que precisa sabre, disse o gato
- Você sempre tem alguma coisa pra me dizer.
- Mas desta vez, é muito importante.
Apesar de ser um garoto de sete anos, costumava surpreender com eventuais flashes de um homem maduro em seu olhar, e foi num desses momentos que o gato se aproveito para lhe dizer: - Vou-lhe falar sobre o futuro.
- Ah! Por isso que te chama de gato sabichão?
- Pode até ser, mas escondemos nossos conhecimentos dos humanos.
- E porque fazem isso?
- Não gozaríamos de tamanha liberdade que gtemos, caso eles venham a sabe sobre nossos talentos.
- Vai me contar um segredo?
- Pois, bem! Vi você no futuro, e estará com um serio problema, se não conseguir resolvê-los a tempo. Vou te levar para um outro reino, para poder aprender uma escrita que não existe mais nesse seu mundo. De repente Drakos empalideceu ao ver o gato transformando sua silhueta
- Gato, sua sombra esta aumentando, e mudando de forma, parece mais uma porta.
- Sim, uma porta por onde irá passar. Vamos! O que esta esperando? Atravesse!
Drakos atravessou as espessas paredes de pedra de seu quarto, através da sombra e caminhou para o outro lado. No princípio era tudo tão escuro, quase nada se via diante daquela sala que nada se parecia com o outro cômodo do castelo.
O garoto continuou a andar acompanhado apenas pela voz do gato, mas quando a iluminação penetrou através das rachaduras das paredes, pode ver o gato por completo ao seu lado, e não somente sua voz e sombra.
- Que bom que esta aqui, prefiro você assim, mas me trouxe aqui só para vingar-se de mim por ter puxado seu rabo?
- Aquilo doeu um bocado, sabia? Creio que tenha aprendido a lição, mas não foi por está razão que quis trazê-lo até aqui. Fique tranquilo
Andaram até se aproximarem de uma porta, e estão ela se abriu sozinha. Foram surpreendidos por uma luminosidade tão intensa que por alguns instantes tiveram que fechar os olhos, mas foi por pouco tempo, pois logo em seguida o céu diminuia sua intensidade, tornando-se mais ameno, e assim puderam ver que estavam diante de uma exótica e bela paisagem. Vários pássaros voando alto sobre suas cabeças, e cachoeiras
onde a queda das águas sobre rochas de turmalinas criavam um vapor de cortina formada por partículas de águas multicoloridas. Era um cenário mágico para a realização dos desejos, onde tudo seria possível.
- O que é isso gato? Onde estamos?
- Aqui, é onde o passado, futuro e o presente nasce. Aqui com o pensamento podemos mudar a cor do céu, as formas das montanhas, e tudo será conforme você pensar.
- Se eu imaginar um universo de gatos, verei gatos por todas as partes?
- Sim, verá, mas não desperdice seus talentos com tolices. Quero que visualize
doze blocos gigantes de pedras formando um imenso círculo. Procure ficar bem ao centro desse templo.
Pensar em blocos de pedras não era bem o que o pequeno Drakos desejava. Era um momento único de realizar seus desejos pessoais.
Resolveu que não obedeceria ao gato e pensou num bosque onde uma matilha de lobos lutavam ferozmente com um grande urso que bravamente defendia sua caça.
- O que você esta fazendo? Desfaça esse cenário imediatamente antes que eu arranhe novamente seu rosto.
- Sempre tive vontade de ver uma cena dessas. Por favor, deixe só mais um pouco, depois prometo estudar esses tais hieróglifos.
- Se minha ama souber o que esta fazendo neste lugar, serei seriamente punido por sua desobediência.
- Você tem uma dona? Nunca me falou.
- Um dia irá conhecê-la, quando adulto. Agora desfaça este cenário.
- Só mais pouco gato. Aaaaaai!!! Por que fez isso? Pergunto o pequeno Drakos, furioso e sentindo muita dor em sua perna.
- Uma mordida, e dói mais que um arranhão, não é? Foi necessário para que parece com esse pensamento.
Rapidamente a cena se desfaz. Drakos pensava na imagem que o gato lhe ordenara. Drakos encontrava-se numa pradaria, entre os monólitos numa plena tarde de verão. Estava sozinho e bem ao centro dos enormes blocos de pedras. O sol rapidamente percorreu um arco em direção ao horizonte, que num breve momento a sombra projetada ao solo fez surgir um velho carvalho de profundas e milenares raízes. Algumas dessas raízes envolveram o corpo de Drakos, criando uma espécie de casulo levando-o para debaixo da terra. Deixado lá, numa câmera, sobre uma plataforma. A luz que entrava era um tanto difusa, mas os cristais incrustados nas paredes, cintilavam e projetavam sobre seus olhos, símbolos e imagens, fazendo com que assimilasse todo o conhecimento daqueles misteriosos hieróglifos.
- Nossa! Essas imagens são fantásticas, e consigo entender todos os seus significados. Como é possível, se ninguém me ensinou a ler essas maravilhas? Ficara ali por alguns instantes se deleitando de tal nobre conhecimento. O fator tempo, era a chave que precisara saber a fim de tornar possível a navegação através das dimensões do Tempo, então o pequeno Drakos falou consigo mesmo: -Nunca pensei que o Tempo fosse algo possível de ser desvendado, e até mesmo de ser sentido ou tocado. Posso olhar sua vertente que me leva ao mesmo tempo em várias direções. Posso estar em múltiplos lugares ao mesmo tempo. Posso ser vário Drakos. A eternidade e a imortalidade faz a humanidade buscar meios para acessar tal conhecimento, e não cair no fosso escuro e sem fundo da ignorância.
O gato esperava pacientemente na sombra de um arbusto sobre uma pedra aquecida pelos raios do sol, mas quando sentiu que era hora de voltar, ordenou telepaticamente para Drakos.
Um barulho repentino de vento fez a porta bater violentamente. O barão Drakos acordara de seu sonho. O movimento de seu braço derrubara a taça sobre a mesa, e o vinho derramado molhou seu rosto.
Olhou para a vela que já estava consumida pelas chamas, e com a manga da camisa secou parte do manuscrito manchado de vinho. Retornou seu olhar para tais
manuscritos, e que antes lhe parecia impossível de decifrar, agora esses símbolos eram facilmente compreendidos, e sem saber o por quê, apenas com a imagem duma sutil lembrança fracionada de um sonho, pode solucionar a tempo hábil, toda a complexidade das viagens no tempo..
Naquela mesma noite, na penumbra dos subterrâneos, onde uma fraca luz alimentada pelas chamas dos archotes presos nas escuras paredes de pedras, onde guardavam as memórias milenares do Tempo, Drakos pode compreender, e enrolou cuidadosamente os manuscritos. Subiu as escadarias em direção aos seus aposentos. Sentou-se em sua cadeira na sala principal, retirando uma de suas negras luvas, acariciou a cabeça de seu cão que costumava ficar ao seu lado nos momentos de reflexão. Seu olhar penetrou nas paredes do castelo, e fechou os olhos, e pode ver todas as imagens que havia visto em sonhos, sabia que estava consciente, e o que estava por vir. Ouvia os gritos de seus inimigos e o barulho dos portões do castelo sendo derrubados, mas antes da entrada triunfante daqueles que almejavam seu castelo e segredos, ele desapareceu no Tempo junto com seu castelo.
Mais tarde um morador de um vilarejo que costumava passar nas noites de lua cheia pela estrada em frente ao castelo do Barão Drakos, notara de que ali apenas havia um espaço vazio, onde antes via-se um castelo sombrio, e um velho carvalho, onde um gato negro espreitava na noite um rato para seu jantar.
Fim
Airton Parra Sobreira
Conto e imagem do autor