O SONHO
Sonhei, um dia com um homem,
Daquelas bandas que eu não sei contar!
Era um homem magro, de semblante triste,
Que chama o filho pra conversar.
Pediu que o menino se assentasse,
Bem pertinho pra escutar,
A história mais triste e cruel
Quem alguém possa imaginar.
Começou a conversar com o filho
E se pôs a tremular,
Pediu paciência ao garoto,
Pois era difícil até começar:
“Eu compreendo a sua revolta.
E sinto, também, que há muito tempo o perdi.
De nada, hoje, adiantará minha volta,
Pois o abandonei, quando mais precisava de mim.”
E o garoto amofinado,
Nem sabia o que falar!
Olhava firme no rosto,
Daquele que, há muito, deixou o lar.
E o pai, cabisbaixo e doente,
Sentindo dificuldade até pra falar,
Conta ao menino toda sua vivência e o que sente,
Vendo a vida a se exaurir e a morte a chegar.
“Eu era jovem, ainda,
Moço forte e sadio.
Procurei, então, batalhar,
Para ser alguém um dia.
Procurei vários empregos,
De mascate a cozinheiro.
Para mim nada servia:
Eu queria mesmo era ser fuzileiro.
Então, me engajei no exército,
Com toda convicção.
Queria ter no peito divisas,
Também muita condecoração.
Mas, com o passar do tempo,
As coisas vieram a se modificar.
Comecei a mandar nos outros;
Passei, então, a comandar.
Pra mostrar superioridade,
Comecei a espezinhar.
Ordenei, aos amigos de antes,
Que fossem os cavalos limpar.
Deixei a bondade um dia,
Para transformar-me em cruel.
Abandonei a Bíblia, o Rosário e a Cruz:
Eu era, então, um coronel.
Comecei a ver meu nome
Nos jornais, em todo lugar.
Senti ser mais do que rei,
Mandava nas armas, do ar, da terra e do mar.
Ordenei, assim, que se fizessem,
Genocídios, prisões e massacres.
Mandei prender jornalistas,
Gente pobre, advogados, freiras e padres.
Recordo, também, no momento,
Que mandei construir aviões.
Gastei uma fortuna, que não entendo,
Somente pra carregar munições.
Mandei fabricar navios de guerra,
Foguetes, torpedos, bombas e canhões;
Tive submarinos e tanques blindados em terra.
Eu era o homem que mandava nas nações!
Construíram, a meu pedido colúmbias,
Bomba “H”, de Neutrons, que maravilha!
Em “TNT”, a maior reserva do mundo,
Testes nucleares, em quase todas as ilhas.
Assinei convênio para fabricar reatores,
Experimentei a chuva amarela, nos viventes da serra.
Gastamos bilhões, em canhões de laser,
Enganei esse povo honesto, em nome da paz na Terra...
Lembro do desfilar de tanques e armamentos,
Esquadrilha da fumaça em todas as comemorações.
Pra que você tenha idéia, meu filho,
Esse dinheiro gasto, acabaria com a fome das nações!
Recordo dos relatórios que rubriquei,
Negando provimento para hospitais.
Hoje vejo, o monstro em que me transformei:
A dor e a fome são seqüelas,do que hoje não posso fazer mais.
Matar em nome da lei é fácil...
Somente sinto ter sido um assassino legalizado.
Com todas as prerrogativas que tive,
Matei, torturei, roubei e não fui incriminado...
E, hoje, aqui sentado,
Nada mais posso fazer.
Penso no ouro do cofre,
Que me deu tanto prazer.
Vejo, ainda, no canto do armário,
A velha bota encerada,
E penso, nas crianças que massacrei,
E nos órfãos das guerrilhas, que eu comandava...
E, agora, meu filho querido,
Só tenho a fazer-lhe um pedido:
Que perdoe com o coração,
Este seu velho inimigo.”
“Eu queria, nesta hora papai,
Abraçá-lo e amenizar suas dores,
Mas você me abandonou no berço, e viveu pra matar.
Então,o devolvo entre lágrimas,às suas metralhadoras.”
“Mas, de qualquer forma, lhe peço,
Antes deste câncer me eliminar,
Olhe bem pra estas divisas,
Que eu trouxe pra lhe mostrar.
Cada uma significa tristeza.
Quando penso, até começo a chorar...
Quantos homens inocentes morreram,
Pra que eu as conseguisse ganhar.
Por isso, mais uma vez,
Peço, de todo o coração:
Não seja como eu fui na vida.
Ame mais a seus irmãos.
Este Rosário e esta Cruz,
Que eu guardei, pra não lembrar,
Tem a imagem do único Homem, com poder realmente,
Mas que, preferiu morrer que usar.
E pra finalizar esta história,
Antes deste meu adeus,
Saiba meu filho, que esta lágrima que rola,
É o arrependimento de não ter amado a Deus...”