"Não há no mundo seres tão sem lágrimas nem
tão simples e orgulhosos quanto nós."
Não a levamos no peito qual secreto escapulário
nem cantamos em chorosos versos.
Nossos amargos sonhos ela não chega a perturbar
nem nos parece ser o paraíso prometido.
Não a convertemos, bem no fundo da alma,
em algo que se possa comprar ou vender.
Nem mesmo quando enferma, no desastre ou emudecida,
chegamos a nos lembrar dela.
Sim, para nós ela não passa de lama nas galochas,
sim, para nós ela não passa de poeira nos dentes.
E a amassamos, moemos, trituramos,
como se não nos misturássemos a seu pó.
Mas é nela que nos deitaremos, nela nos converteremos,
e é por isso que tão livremente a chamamos “nossa”.
Anna Akhmátova
Tradução de Lauro Machado Coelho
Leningrado, no hospital perto do porto, 1961.
Imagem: Rússia no inverno.