Havia despertado cedo.
A noite tinha sido inquieta e o sono agitado.
Acordara cansado, possuía o rosto suado, os sulcos violáceos á volta dos olhos acusava a fadiga da noite desassossegada. Levantou-se com dificuldade. Subiu o estore da janela do quarto e olhou o céu. Surpreso, viu que o sol brilhava já o começo do novo dia.
Intuía que alguma coisa de anormal estava a acontecer, era como se um sexto sentido lhe acenasse algo de invulgar. E este sol, este estio, testemunhava a sua incerteza.
Era Natal, época comummente de frio, em alguns lugares inclusive a neve dava um perfume especial á quadra, mas, invulgarmente ao habitual estava uma manhã de estival.
Intrigado e curioso, arranjou-se e saiu á rua. O sol ainda jovem acariciou-lhe o rosto barbeado, o que lhe despertou maior apreensão. Estranhou também a ausência da neblina causada pelas chaminés e da essência frequente das lareiras.
Iniciou a caminhar pelo passeio a descer a rua. Preocupado, olhava furtivo ao seu redor. Todo o seu rosto era incredulidade. Tudo era silêncio. Não acontecia aquele burburinho das filas para as compras, para os presentes, para o bacalhau, para o marisco e para os doces. Ao contrário do que era prática, nas caixas ATM não faltava dinheiro.
As pessoas passavam e desejavam bom Natal… boas festas. Mas não era aquele retinir de bom Natal hipócrita usual, em que o hálito de amor passava e o resto do ano esgrimiam conveniências, lucros e ganhos desonestos. Não era aquele desejar falso de Natal, em que as guerras de interesses se entrincheiravam, em que as quezílias retornavam, assim que a quadra passasse. Depois, seguidamente chegava dezembro, o mês do armistício, a hipocrisia regressava e o amor espalhava-se. Não! Não era esse desejar de Natal! Era um Desejar de Natal franco, sincero e cheio de amor.
Caminhava pelas ruas e o desconforto inicial principiou a falecer. As pessoas falavam-lhe de uma forma franca, leal, de uma forma afetuosa, com sentimento puro na voz. O dia pareceu-lhe mais limpo, o sol pareceu-lhe brilhar com um brilho diferente, começou a sentir-se bem, sorriu, pareceu-lhe que respirava autêntica paz.
Foi com gáudio que contemplou que o Pai-Natal não vinha gordo, empanturrado de bacalhau, de marisco e de doces. Não aparecia carregado, com dificuldade em andar para entregar os presentes aos meninos ricos, presentes caros, esquecendo-se das crianças pobres, desfavorecidas, que passavam frio, que passavam fome e que nada tinham. Crianças que não imploravam consolas ou computadores, não rogavam telemóveis ou bicicletas, bradavam apenas em silêncio um casaquinho, um cobertor, meias, sapatinhos e uma sopinha para aquecer a alma.
O que viu foi um Pai- Natal isento, um Pai- Natal que não diferenciava os ricos dos pobres, um Pai-Natal que em lugar do saco dos presentes, trazia o coração cheio de amor, e oferecia esse amor com a mesma simetria para com todos.
As pessoas acercavam-se dele e mostravam-lhe um mundo novo. Um mundo onde a ganância, o odio, as aversões, as antipatias, as lutas e as guerras de interesses haviam sido descontinuados. Um mundo em que todos juntos haviam extinguindo a pobreza, a fome, a violência. Um mundo em que a lei era o amor. Um mundo em que as coisas anteriores haviam passado.
O coração encheu-se-lhe de gratidão e alegria. Sorrindo, com as mãos nos bolsos, seguiu a assobiar uma canção de Natal.
Luis Paulo
Queria tanto ser poeta,
Falar do mundo…
Do amor
Porque não da dor?
Do sofrimento?
Da injustiça então…
Enfim, falar do meu sentimento