O meu dia acabou mas minha noite não!
Ela cobre-me todo como
um manto-vil-de-solidão!
Minha fria, dura e funda solidão -
- mãe de todos os pecados!
Para onde irão estas gentes que vejo?!
Que certezas tão intensas as comovem?!
E porque as não tenho eu? Às certezas!
Escrevo do que não sei.
Eles caminham parecendo saber!
Estranha contradição ...
Aqui, na Benard, em pleno Chiado,
fixo ao fundo, Fernando Pessoa,
sentado, estático, parado...
Um Ser de bronze.
Congelado nas "malhas" do próprio
pensamento ...
E que estranho pensamento o Seu!
longínqua interrogação...
É minha interrogação, hoje, aqui,
em meu punho, em minh'Alma ...
O Astro está cinzento e húmido,
as gentes não páram
e a minha interrogação existe!
É a dor-do-pensamento que me esventra ...
Mas tudo tão absurdamente igual!
Como se aqui não estivesse.
Como se não pensasse o meu pensamento.
Eles não veem que não estou bem!
Eles não sentem o meu mal sentir!
Apetece-me gritar-lhes!Chamar-lhes tolos!
Porque a morte existe e eles fingem que não!
Afinal, Pessoa! Tu, único Ser que me escuta
nesta rua, responde-me:
Quem é afinal aqui o fingidor?!
O Poeta ou Eles?!...
Pois que pode o Poeta fingir se nem sabe
o que sente?!...
Só sei que o não-saber é condição de nascença
que me precede desde toda a Eternidade...
Sinto-me um estrangeirado neste mundo!
Isso eu sei ... nada mais ...
Vaidade ... dizes tu?!...
Vaidade das vaidades é vir-se da Eternidade
julgando conhecer todas as Verdades ...
Isso é vaidade!
Tudo o resto é a verdadeira eternidade ...
do teu, sempre,
Ricardo Louro
Esplanada do Café Benard,
no Chiado, em Lisboa.
[i]"Não sendo meu, o que escrevo e penso,
Sinto-me escravo de sentires d’outra gente
Que eu não, embora possa ser o desespero
Meu, o qu’essa gente de escreveres sentiu ..."[/i
Ricardo Maria Louro