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Você não acabou comigo.
Eu sobrevivo ao ponto dessas letras.
Essa prece é o sepultamento da tua imagem
que construí para que coubesse nos meus sonhos.
Ó par do meu número onírico,
tapume do querer distante.
Nos encontramos no lixo,
no submundo, imundo, sub-humano.
Ambos, por baixo do pano
caçando flores no chorume.
Nesse tempo éramos máquinas,
automatizadas na função.
Cada qual com sua máscara,
e um motor no coração.
Você quebrou meu código,
descobriu-me.
Fez-se flor, dançante,
fingiu-se brilhar no céu da minha escuridão,
como se fosse guia,
como se fosse dia.
O que me tornei,
ou o que pude ser,
mostrou-se estacionário sem seus fluídos,
sem o combustível da sua presença,
tão proximal e tão distante.
Eu te queria além da fibra óptica.
Eu te queria, aquele dia,
quinta feira do samba das paixões,
à beira do lago.
Quando toquei sua roupa,
fingindo-me interessado no tecido,
foi a tua pele que meus dedos imaginaram.
Os teus olhos lançaram um feitiço na minha sina.
Lembro deles,
tão transparecendo sua meninice
em meio àquela adultez, também forjada,
de franzir o cenho.
Você me disse tanta coisa...
Eu não cabia no seu sonho de amor.
Eu só cabia numa gaveta velha, mofada,
ao lado dos amigos que se vê de vez em quando.
Eu te vejo sempre, quando fecho meus olhos.
Agora lembro que também toquei seu cabelo.
Aquela parte que toquei, você me disse que não existe mais.
Eu sempre te quis.
Mesmo quando odiei-te, pela rejeição,
pelo repetido não ao meu tesão,
pelo sopro em meu fogo...
Mas os teus olhos...
Os teus olhos me aprisionaram.
Eu fiquei assum,
cego,
na gaiola da sua aura.
Só me dei conta da gravidade dos fatos,
quando me peguei chorando,
depois de ver seus olhos na tela de vidro.
Naquele dia que me ensinou tocar Asa Branca
na flauta de bambu.
Aquele dia eu soube que te amava.
Aquele dia eu soube minha sina.
Aquele dia eu soube que te queria como não sei como.
Aquele dia eu só queria deitar-me ao seu lado,
cheirar seus cabelos,
afagar-te o rosto
e talvez chorar.
Que diabos! Me fazes chorar!
Penso em abraçar-te e chorar
com meu corpo bem junto ao seu.
Talvez assim, me cure.
A essa altura da minha jornada,
não posso estar nessas encruzilhadas.
Liberte-me!
Eu me escondi de você,
debaixo de sete chaves virtuais.
O problema é quando te vejo,
pelos acidentes tempo-espaciais
que o destino insiste em arranjar,
para danar-se mais o cárcere de suas retinas.
Liberte-me!
Eu conheci suas dores,
eu estive no seu pensamento,
quando você se lembrou de mim naquela música.
Volte para o absurdo de onde saístes,
tu, alma gêmea feiticieira,
danação da minha carne,
vazio latejando no meu peito.
Se eu pudesse,
te tirava da minha cabeça com uma colher,
como aquela colher que você usava para comer
farofa de pequi enquanto me contava da última viagem.
Lembra aquele dia?
Aquele dia...
os seus olhos...
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