Textos : 

Sobre a Arte - a Casa V de todos os Mapas Astrológicos -

 
Em Astrologia a Casa V é a Casa da Criatividade. A Casa da Identidade que se manifesta e conhece pela Arte. Regida por Leão, o Signo do Sol, é onde a Identidade se encontra numa imensa espiral de “calor-artístico”. A sua “impressão-digital”, aquela que só o próprio pode imprimir no mundo ao descobrir-se. Na Casa V o homem encontra-se com o seu potencial criativo, descobre-se e expressa-se por ele, conhece-se e afirma-se através dele …

Na Casa IV, Casa anterior, a Casa da Lua, Casa do Caranguejo, o Ser humano pertence a uma família. Está ainda muito dependente (Lua) da estrutura familiar a que pertence, excessivamente envolvido nas suas fundações, profundamente “agarrado” às suas raízes, projectado na opinião de quem o criou, de quem o gerou! Lá, é onde fazemos parte de uma “tribo”. “Tribo” pejada de muitos outros nossos iguais. Unidos pelo sangue, separados, muitas vezes, pelas consciências, distantes pelas opiniões, pelas crenças, pela criatividade. Pessoas unidas por uma identidade comum que, tende, na maioria dos casos, a “castrar” a individualidade de cada um com excessivas protecções. Identidade que nasce de um inconsciente comum latente na história daquela família. O nome, a posição social, a opinião dos outros onde se vive, dos amigos, dos colegas de trabalho, etc …

A família protege mas castra! É difícil ser-se criativo em família! Porque a família nem sempre aceita …

Passar da Casa IV à Casa V num Mapa Astrológico é passar da Lua ao Sol, da noite ao dia, do inconsciente familiar à Consciência criativa da nossa identidade. É o movimento de saltar fora da “tribo-familiar” onde não podemos ser nós-próprios. É ir em busca da nossa real identidade, porque lá, na Casa IV, somos só mais um. O filho de A e B, neto de C e D, irmão de E e F. Em família, todos estamos rotulados! Sair dessa carente “redoma subjectiva”, onde ninguém sabe verdadeiramente quem é, é o caminho do Leão, que sozinho, se procura e afirma na Selva! Leão que todos somos!

Todos temos um dia que ser nós-próprios, ainda que, “adormecidos” nessa “cama da infância” em potencia contida! “Saltar” da Casa IV para a Casa V é a concretização do processo de Individuação de que falou Yung, e que Cristo testemunhou, ao ser o primeiro Homem neste mundo, a aceitar vive-lo inteiramente na ”Pele”! Buda trouxe a Luz da Consciência através da meditação, Deus está em nós, descobre-o! Cristo trouxe o método através dos actos, o caminho, o testemunho de como se faz! Vai ao encontro do teu irmão, porque também ele é Luz! Buda e Cristo, os dois grandes instrutores da Humanidade que, vieram ensinar como realizar, pela via do Amor, o processo de autodescoberta! É o processo do Individuo! Individuo que “aceita morrer” por aquilo em que acredita ao perceber que, daquilo em que acredita, pode irradiar uma imensa Luz ao mundo! Individuo significa “não dividido”, uno, para a Unidade! O caminho interior de todos e cada um desde o berço ao caixão! Sendo a Casa V uma Casa de identidade (fogo), e a Casa IV, uma Casa de memórias (água),o Fogo da Casa V (identidade) evapora as águas da Casa IV (memórias). É o que ocorre em Alquimia quando o Fogo evapora a Água transformando-a em Ar. E em Astrologia Ar é comunicação. A forma de comunicar, mais ou menos dependente de infelicidades familiares, ou libertada dessas infelicidades pela autodescoberta criativa que é cada um. Eu não sou a minha família! É a mágica mutação dos elementos que somos na psique de cada um!

O Ser humano só se conhece na Casa V quando se busca e afirma além-família, de modo a poder, depois, “escoar” essa mesma identidade criativa pela Casa seguinte, a Casa VI, a Casa do serviço. E toda a criatividade deveria ser uma dada forma de servir os outros e a sociedade em que se nasce. No entanto, a Casa V não pode ser uma “fuga” à Casa IV. Libertar do Karma familiar é ser livre, lá, com a família. Porque quem não for livre com a família nunca se verá livre da família! Nesta ou noutra Vida … porque o Karma sempre vem. É uma Lei! Maria Flávia de Monsaraz afirmou certa vez sobre a Criatividade:

“Cada Ser humano é uma resposta única, irrepetível, totalmente individual. Cada um tem de ser-si-mesmo, descobrir a sua criatividade. O que lhe cabe só a si poder ser. A força criativa é a expressão do homem individualizado. Força expansiva, poderosa, porque é sintética e Unitária. Criar é religar! Unir-o-Eu-ao-Mundo. Fazer pontes. A obra de arte é simbólica. Unifica duas dimensões, duas realidades: uma interior e outra exterior. O criativo exprime a Casa IV, a sua subjectividade interior, o mundo das suas memórias, na Casa V, a sua objectividade exterior, obra que realiza e onde se projecta. Toda a criatividade é uma relação Casa IV/Casa V. O Mundo interior expresso no Mundo exterior.”

Afirmação tão diferente de uma outra que há dias encontrei, de alguém a quem muito admiro no Mundo da musica clássica, mas com a qual não concordei. Richard Wagner escreveu um dia sobre a Arte:

“Não posso deixar de imaginar que,
se tivéssemos uma verdadeira Vida,
não teríamos necessidade da Arte.
A Arte começa exactamente lá,
onde termina a Vida,
lá onde nada mais há adiante
de nós …”

Muito me espantou tal afirmação! Noutro Tempo, Tempo mais “agreste” na minha Vida, onde ainda me não via nem sentia, teria por certo, vibrado com tal expressão. Hoje, sinto nela um imenso “grito d’Alma” de quem pôs todas as suas esperanças existenciais na arte, na ilusão de que afirmando-se apenas pela criatividade chegaria para se sentir realizado. A Vida sempre nos dá espaço para vivermos “isso” que são as nossas fantasias. Mas há um dia em que as ilusões se rompem. E foi o caso aqui. “Nada mais há adiante da Vida …”, afirma! Porque em si, a Vida parava quando compunha ou tocava. Lá, adiante desses momentos, para si, não havia mais nada! Duras, frias e tristes. Palavras de um Coração “congelado” capaz de se relacionar apenas com a música. Ele, a pauta e o piano. Não existia mais ninguém! Se por um lado, sair da Casa IV é importante para definir quem somos, é por outro, muito importante também, não ficar prisioneiro da Casa V. Wagner, saiu em fuga de um Karma familiar por resolver, afirmando-se na criatividade para se segurar, e “congelou” a Alma nas “malhas” das notas musicais da sua criação. Recordo a tristeza e a melancolia da Peça “Tristão e Isolda” que compôs. As “nuances” de dor de quem por Amor se perdeu são trazidas à música por quem por ausência de Amor está perdido. A pauta e o piano transformaram-se numa “mascara” que, tal como no poema, a Tabacaria de Fernando Pessoa, se lhe colou ao rosto! Wagner parou! Cristalizou! Transformou-se num “autista” musical. Tornou-se obcecado. Ele e a música a música e ele. Um todo sem íntima união numa falsa sintonia! Sintonia Criativa excepcional mas sem Paz interior! São sem dúvida, ingredientes para fazer de alguém um grande artista. Um grande artista aos olhos do Mundo, longe da sua Alma, infeliz e descompensado aos seus próprios olhos! Absolutizar a música é sempre uma ilusão como tantas outras. A música é o que de mais subtil e sublime se aproxima neste Mundo de Deus. Mas ainda não é Deus.

“A arte começa exactamente lá, onde termina a Vida”, afirma. Os momentos em que se sentia mais completo eram quando se expressava criativamente. E nos outros?! Na Vida quotidiana?! Nesses isolava-se, fechava-se, recusava envolver-se emocionalmente com quem quer que fosse. Toda a sua energia era canalizada para os palcos e para as pautas, aí, onde ninguém o questionava, onde apenas o ouviam e aplaudiam. Espaço onde ilusoriamente se sentia seguro. Mas as palmas acabam, o palco termina num momento vão e passageiro e a nossa casa sempre é uma realidade posterior. E lá, ninguém o esperava porque ele rejeitava envolver-se emocionalmente com o que quer que fosse, a não ser com a música que compunha, que tocava e expressava. Dai nada mais existir adiante de si a não ser a arte. Ela nunca o contrariaria! Que fria-ilusão! Um génio, um dos melhores, tão só, tão triste, tão perdido - chamando à musica eu - mas tão longe da sua Alma, o seu Eu verdadeiro.

Essa Alma já não lhe pertencia. Era da música! Wagner, como tantos outros grandes compositores, parou a sua evolução na Casa V e “virou” um Fantasma da Ópera! Doze são as Casas do Zodíaco a ser vividas. Wagner “congelou” na Casa V ao atingir o máximo da sua criatividade e ficou a girar, até morrer, em torno dela. Em torno de si mesmo. Neste percurso pessoal ele fugiu da Casa IV, foi “sugado” pela Casa V, onde ilusoriamente se projectou, e lá ficou sepultado!

Como pode alguém dizer que nada mais há adiante de si?! Como pode alguém afirmar que não precisaríamos da arte se tivéssemos uma verdadeira Vida?! A arte é a própria Vida! Mas não pode, quando exteriorizada, substituir a Vida! A arte por si só não pode substituir o verdadeiro e intimo conceito de Alma! A arte aproxima-se de Deus mas não é Deus! A verdadeira arte é a Vida em manifestação nos seus momentos bons e maus. Viver a Vida é “compor” a grande obra de arte à qual pertencemos como projecto maior. Arte é Vida e Vida é arte! Vida que somos, que sentimos e que nos foi dada viver!

A Casa V é uma Casa de personalidade por ser uma Casa de Fogo regida por Leão, o Signo do Ego. É a Casa da Persona, do Eu criativo que dá o que só o próprio pode dar. Convencermo-nos que nada mais há adiante dela é ficar parado na arrogância do que o Eu faz, dá e ensina. Casa onde os aplausos são necessários. Ingredientes que podem levar ao egocentrismo do Eu distante da Alma. Assim foi com Wagner e tantos outros compositores…

No seu mapa Astrológico, Wagner tinha Úrano, o Planeta da Liberdade, intuição e criatividade, na Casa V, o que o levou a chegar onde chegou e a construir o que construiu no mundo da música clássica. Toda a sua originalidade! No entanto, oposto ao Sol e à Vénus na Casa XII, a Casa que em Astrologia simboliza o Fundo da Alma. A sua criatividade foi uma dada “fuga” à verdadeira consciência amorosa que mais do que uma grande expressão externa deveria ter sido uma imensa aceitação interna. O grau de criatividade que atingiu nunca lhe trouxe a verdadeira liberdade, porque essa, no seu Tema, só já lhe podia vir da percepção de uma Vida interior nascida da consciência da Alma. Porque a verdadeira liberdade é interna. Essa que não tem como findar! Essa que nos fará um dia dizer, como disse Fernando Pessoa, “Venha o que vier nada será maior do que a minha Alma …”

Ficou a obra. Nada mais. Aquilo que fez de Richard Wagner um génio musical dentro do seu género de expressão artística. Uma grande personalidade musical diante do mundo, uma “medíocre” consciência de Alma perante si. Mas a morte sempre chega para por fim às nossas ilusões e dar inicia a uma nova Vida, uma nova oportunidade sobre a Terra frente ao Ceu. A arte é a manifestação simbólica e imaterial na matéria da Alma que nos habita, mas não é a Alma! Porque essa é Consciência e Consciência é movimento. A arte é estática depois de cumprida e a Vida é sempre dinâmica. E nós somos Vida …

Quem sabe não nos cruzamos um dia, por ai, com Wagner, nesta imensa Roda de mortes e Renascimentos que é a Vida que vivemos! Sim, porque a Deus, nada é impossível …

em Deus
Ricardo Louro

no Chiado
em Lisboa


Ricardo Maria Louro

 
Autor
Ricky
Autor
 
Texto
Data
Leituras
754
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.