Memória (a uma amiga)
Grávida de muitos meses
sentia a barriga enorme
a roçar o fogão...
Cansada da viagem,
carregando na alma,
o amargor de dúvida
e o sentido da vida
sem razão
ficou parada,
olhos, húmidos de dor
a percorrer o chão...
Então
o marido entrou
e numa voz pausada
disse com firmeza
e lentidão:
Não quero que lhe falte
nada!
Estremeceu.
A face retesada
- face de virgem que nem era feia-
e começou a preparar a ceia.
O marido
não queria que lhe faltasse nada!
A ela
de barriga à boca
prestes a rebentar
tinha esquecido...
Mas à amante
que de viagem chegara enjoada
olhar fingido
de raposa matreira
à procura de caça
(a caça era o marido...)
Não queria que faltasse nada!
Pousou as mãos
silenciosamente
sobre a barriga...
Duas lágrimas rolaram
e foram saltitar
em riscos sobre a mesa...
O marido saiu.
E ela ficou suspensa
entre o céu e a terra...
Teria que escolher.
O filho ia nascer...
Nascer sem ter o pai?
O problema eterno!
E ela ao escolher
para que o filho ao nascer
tivesse uma família
escolheu o inferno!
Maria Helena Amaro
setembro,1988
(Premiado no Concurso Novos Poetas)
http://mariahelenaamaro.blogspot.pt/2013/11/memoria-uma-amiga.html
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