Está em cima da mesa. E tem lá a sombra
Estratificada numa paleontologia tosca
São bugigangas baratas com curtos fios
Em farrapos de desordeira ordem cromática.
Olhei vinte vezes para lá e continuei ainda a ver
Que as coisas mais vulgares por vezes aparecem
Carregadas de novos brios e até evocam
Memórias que um dia me deram um sorriso.
Hoje, porém, acabaram-se as horas mais cegas
Tamparam-me os sonhos sem um sorteio
Que ao menos pudesse prometer alguma coisa
Numa oca maquinação, frenesi tiritante.
A luz visível que me chega poderá ser bela
Mesa e motivo ainda são uma linda composição
Mas eu estou às cegas. Careço de uma voz
Que me diga: -Patusco vem cá ter comigo!
E então eu olho a mesa pelo seu peso
E carrego com ela pelo espaço exausto
Oiço o repicar do relógio e logo avanço
A emaranhar os fiapos num arco íris assustado.
São só as horas! Eu me digo eterno!
Não hei de ser a maior sombra do lugar.
Sim! Fugi! Guardar o quê?
E assim perdi o medo de pensar!