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Foi numa tarde serena
sob a árvore da galinha de Clarice.
Galinha interpretada,
pintada,
fotografada,
impressa
e ainda não finalmente,
pregada à tachinhas na árvore
que agora significa.
A árvore da galinha de Clarice,
onde o gavião come pombos
e outros pássaros menores
deixando a carcaça ali mesmo
aos pés da galinha
mãe da árvore,
mãe do ovo.
A árvore é obvia como o ovo.
Foi lá que o passarinho cantou
que bem-me-via por aí.
No claro, no escuro,
com olhos alados de passarinhos.
A revoada de outros pássaros
e a balbúrdia multitonal
de seus cantos dissonantes
parece um riso solto
sobre a acusação do outro,
insistente,
que bem-me-vê, bem-me-vê...
Naquela tarde
e em outras,
nos dias que tardam
mas não não falham.
Os dias nos quais falhei.
Errar é orgânico,
julgar o erro é humano,
demasiado humano.
Pássaros estão sempre certos.
Por isso o canto sai puro,
sem culpa.
Árvores também.
Dançam majestosas
o uivo do vento
com a dança certa,
sem medo de falhar.
Pássaros e árvores com fé.
Fé não costuma falhar.
A galinha da Clarice
flutua no céu-mar-azul
dessa certeza.
Fixada, em sua árvore,
é para mim um recordo
desta lição.
Quando eu cruzar o caminho da árvore,
com medo de errar,
com medo do julgo
e de ser humano...
... lembrarei que sou também criação.
Como a árvore, o pássaro
e o trabalho do artista
que deu a árvore à galinha
e o inverso em verso.
Mesmo que de um ato
falho,
eu sou um fruto da criação.
Estou certo,
até o fim,
independentemente da mente,
da mentira
e dos pássaros acusadores.
-Vejam-me-bem! Todos os pássaros!
Estou certo...
Danço o vento da certeza
enquanto a tenho em vista.
Até que a vista canse
e o pássaro não me veja mais.
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