Eram parentes , quase todos ali na igreja . Contrição e silêncio rompidos pelos abraços mais calorosos e o sussurro das condolências .O irmão sobre a plataforma , no seu ataúde .Seis velas acesas demarcavam os ângulos do caixão .Vestia um terno preto risca de giz , gravata preta e uma improvável rosa branca na lapela esquerda. O rosto , emagrecido pela doença . Os vincos do sofrimento atenuados pela rigidez final.
Sentado ali, tinha a impressão que Gilberto espreitava algo .Olhos mal fechados . Uma arte , fechar olhos de defunto . Lembrou da infância no interior e sua primeira visão de alguém morto .Duas moedas sobre as pálpebras e ninguém sabendo lhe dizer o porquê . Depois , entendeu a religião ,os macetes da morte e os velórios .
O padre continuava a sua prédica .Era um homem ainda jovem ,calvo, de estatura meã e óculos de míope .Estola roxa ,braços cruzados sobre o peito , abraçando a Bíblia .Vez por outra , seus olhares se cruzavam e retomavam suas direções paralelas em direção ao infinito , pelas janelas laterais.
A morte fazendo o jogo da amarelinha : ele , noventa e dois ; Amarílis oitenta e seis , sentava – se á sua frente . Na cabeça , o tremor parkinsoniano. Lembrou de Gladys morta aos sessenta e um . Dario , setenta e nove anos , queixo apoiado na bengala ,olhar perdido ; quem sabe , contemplando a rosácea do teto . Pensou em Guiomar , morta aos cinqüenta e dois ; Clidenor , sob duas rodas , aos vinte e cinco anos .
Sentiu o calor e o braço da filha no seu ombro .Vivia . Isso era tudo.Viúvo há três anos . Dagmar suspirou e partiu numa manhã de dezembro , quase Natal .O filho cirrótico , finado há quase dois anos ; uma hemorragia em pleno Carnaval . Suas festas , seus mortos .
Viver , era preciso .A solidão lhe ensinara alguns truques . Á noite , três colchas enroladas ao comprido ao lado do seu travesseiro, imitavam o calor de Dagmar .Direitinho , sem tirar nem por . Como antigamente , depois do apagar do sexo : costas contra costas , o calor gostoso da presença.
Uma manhã , encontrou um frasco do perfume da esposa .O calor ganhou nome e cheiro de nome .
A cerimônia chegou ao final .A mão da filha , firme no seu braço direito .
— Papai , o sepultamento é agora . Vamos ?
— Não , vou ficar por aqui mais um pouco .Na volta, você me chama .
— Ficar por aqui ? Vai ficar sozinho . Todos vão sair . Daqui a meia hora , começa outro velório .
— Sério ? É sessão contínua , feito o cinema de antigamente ?
Elaine sorriu , balançando a cabeça .
— Sim , como antigamente . Só muda o defunto .
— Então , vamos embora . Foi nesta parte da fita que entramos , não foi ?
Levantou – se , tomou o braço da filha e seguiu orgulhoso , pela nave da igreja .
andrealbuquerque