A esperança do mundo
1
Seria a opressão tão antiga quanto o musgo dos lagos?
Não se pode evitar o musgo dos lagos.
Seria tudo o que vejo natural, e estaria eu doente, ao desejar remover o
irremovível?
Li canções dos egípcios, dos homens que construíram as pirâmides.
Queixavam-se do seu fardo e perguntavam quando terminaria a opressão. Isto
há quatro mil anos.
A opressão é talvez como o musgo, inevitável.
2
Se uma criança surge diante de um carro, puxam-na para uma calçada. Não
o homem bom, a quem erguem monumentos, faz isso. Qualquer um retira
a criança da frente do carro.
Mas aqui muitos estão sob o carro, e muitos passam e nada fazem.
Seria porque são tantos os que sofrem? Não se deve mais ajudá-los, por
serem tantos? Ajudam-nos menos.
Também os bons passam, e continuam sendo tão bons como eram antes
de passarem.
3
Quanto mais numerosos os que sofrem, mais naturais parecem seus
sofrimentos, portanto. Quem deseja impedir que se molhem os peixes do
mar?
E os sofredores mesmos partilham dessa dureza contra si e deixam que
lhes falte bondade entre si.
É terrível que o homem se resigne tão facilmente com o existente, não só
com as dores alheias, mas também com as suas próprias.
Todos os que meditaram sobre o mau estado das coisas recusam-se a apelar
à compaixão de uns por outros. Mas a compaixão dos oprimidos pelos
oprimidos é indispensável.
Ela é a esperança do mundo.
Bertolt Brecht (1898-1956), in: Poemas 1913-1956, Ed. 34, 7a. Ed., 2012, p. 222.