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Gê Muniz
AS RUAS DE SÃO PAULO
As ruas de S. Paulo transmitem-me enorme agressividade. O trânsito desumano dos carros associados aos pedestres, aqueles trejeitos faciais todos com ar autossuficiente e descolado de metrópole, como que sabendo exatamente de onde vieram e para onde irão e porque agem e vestem-se com aquele charme blasé de cidadãos universais causam-me um estranho e patético constrangimento. Por que eu no meio disto, justo eu que não sei de onde vim, para onde irei ou por que faço isso e não aquilo? Eu que não tenho qualquer experiência prática em lidar com truques e peripécias civilizadas de convivência urbana nas cidades de grande monta? Sou presa fácil para a indiferença absoluta desses caras. Não que isso me incomode muito além do constrangimento. O caso é que qualquer situação intimida-me na minha essência anulada, porque me pegará sempre em lugar e estado de espírito errados. E sinto um altivo orgulho imbecil em nada ter a dizer a eles, nem a ouvir deles. De certa busca podre por aceitação, fraqueza mesmo, capto uns poucos ecos desse papo-furado que me desagrada visceralmente. Dá-me a impressão de que esse povo não age individualmente no trato da própria vida, porque a imensa, poderosa e orgulhosa personalidade coletiva da cidade lhes impinge cacoetes. O importante é que eles acham legítimo transmitirem esse código viral entre eles, afinal são paulistanos e estão confortáveis em participar do jogo. Consideram-se criaturas naturais, animais urbanos, enfim, a última coisa que considero serem... Onde eles veem graça e originalidade cool, enxergo enfadonha imitação e mecanicidade. Neste ponto, para suportar o descalabro, combato-me as emoções com minha infinita introspecção e cínica humildade: se, afinal, nem de mim consigo definir algo concreto, o que poderia eu captar assim de tão performático neles todos? Talvez eles estejam certos, talvez não, talvez tenha de ser assim, talvez, ainda - e o mais provável - não haja certo ou errado para esta situação e o errado em ser tão passivo e repulsivo diante às circunstâncias externas seja mesmo eu.
(Gê Muniz)