O desgoverno de Portugal não espanta, nem o mais analfabeto dos portugueses. Em Portugal, as políticas, em geral, são expressão de uma vontade ficcionada a partir do facto de uma legitimidade democrática que justifica o poder, sem necessidade de outras razões, como por exemplo, documentar e fundamentar exaustivamente as políticas. Em Portugal, a prática corrente é mais do tipo "se este modelo do país X lhes serve também há-de servir a nós, não percam tempo com isso, apliquem isso". Depois, bem, depois se verá. Ajusta-se isto, ajusta-se aquilo e, ao fim de dez, talvez quinze anos, teremos uma coisa como deve ser. É como se as nossas elites políticas soubessem desde sempre que não é preciso escola, nem ciência, nem investigação, porque...tudo isso existe. «Existem respostas e soluções para tudo», diria um líder político, «basta ver o que outros países têm feito e copiar o trabalho deles». Os nossos políticos nunca fazem afirmações ou propostas devidamente acompanhadas de fundamentação sólida, porque não têm o hábito de pensar que as políticas podem e devem ser fundamentadas com as melhores razões. Deter o poder não é e não devia ser a única, nem sequer uma boa razão, nesta democracia tetraplégica.
Falar de privatização do ensino, por exemplo, requer que, antes de mais, se defina claramente, não o que é privatização em geral e abstracto, mas o que seria privatização do ensino. Privatizar é um verbo como outro qualquer, mas privatizar uma empresa é algo mais complexo do que simplesmente privatizar. A ideia de privatização, como a sua 'antagónica' de coletivização, ou nacionalização, ou expropriação, não têm nada de mal ou de inconveniente, de certo ou errado, de mau ou de bom, de vantajoso ou desvantajoso. Só se encararmos as coisas (e os conceitos) sem preconceitos é que poderemos fazer a avaliação necessária do que está em causa e em jogo, para, de seguida, tentarmos escolher uma política, linha de acção, alternativa entre outras... e dizer porquê, na esperança de que a nossa análise e as nossas razões sejam entendidas pelos outros e resistam suficientemente à contra-argumentação dos vários quadrantes.
Se me convencessem, com boas razões, de que privatizar o Ensino, ou a Justiça, ou a Ordem pública, ou a saúde, do mesmo modo que as fábricas de salsichas e de aros de bicicleta são privadas, traziam, não apenas o mesmo nível/valor de satisfação das necessidades, mas um valor acrescido, eu pensaria ainda em muitas questões tão importantes ou mais do que essas. Privatizar, aparentemente, seria fácil. A questão dos custos para o Estado é uma questão cuja resposta devia haver alguém capaz de dar, mas não há. Não é uma qualquer resposta. Mas se a privatização do ensino ou dos outros sectores públicos, feitos os estudos e as contas (e obtidas as garantias adequadas de que assim iria ser) resolvia todos os problemas que é preciso resolver e não trazia outros, ainda que menores, que mal veríamos nessa privatização?
Se os problemas fossem meramente de custos financeiros... Pegar nos problemas do Ensino, Justiça, Saúde, Ordem e segurança públicas pelo lado dos custos financeiros é a pior forma de tentar perguntar por que é que o Estado é preciso.
Chamo a atenção para a diferença (importante) entre 'ensino privatizado' e ensino privado.
O ensino privado sempre existiu e não é proibido. Cada um, ou em associação, sociedade, etc., pode conceber um sistema de ensino ao seu gosto e tentar operacionalizá-lo. Até os partidos políticos podem criar escolas para ensinarem as ideologias ou o que lhes aprouver. E os alunos, que tenham dinheiro e condições para isso, podem sempre procurar aprendizagens e sistemas de ensino ao seu gosto/interesses, nas artes, desportos, ciências, indústrias, etc...