O que vês, trovador?—Eu vejo a lua
Que sem lavor a face ali passeia;
No azul do firmamento inda é mais pálida
Que em cinzas do fogão uma candeia.
O que vês, trovador?—No esguio tronco
Vejo erguer-se o chinó de uma nogueira.
Além se entorna a luz sobre um rochedo
Tão liso como um pau-de-cabeleira.
Nas praias lisas a maré enchente
S'espraia cintilante d'ardentia
Em vez de aromas as doiradas ondas
Respiram efluviosa maresia!
O que vês, trovador?—No céu formoso
Ao sopro dos favônios feiticeiros
Eu vejo—e tremo de paixão ao vê-las—
As nuvens a dormir, como carneiros.
E vejo além, na sombra do horizonte,
Como viúva moça envolta em luto,
Brilhando em nuvem negra estrela viva
Como na treva a ponta de um charuto.
Teu romantismo bebo, ó minha lua,
A teus raios divinos me abandono,
Torno-me vaporoso, e só de ver-te
Eu sinto os lábios meus se abrir de sono.
Obras, v. 1, 1853, Lira dos vinte anos – 2ª parte.
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O eu lírico (a voz que “fala” no texto) por três vezes pergunta:
- O que vês meu poeta?
Na primeira estrofe, uma das respostas:
- Eu vejo a Lua!...
Na segunda estrofe, outra resposta:
- Eu vejo o chinó (cabeleira postiça, peruca; na poesia é de um tipo de cipó muito fino que cresce em algumas árvores também conhecida como barba-de-velho) de uma nogueira!...
E na terceira estrofe:
- Eu vejo as nuvens!...
Lua, o chinó de uma nogueira e nuvens, palavras constantes no universo poético do jovem autor, ou seja, termos universais que acompanham a poesia desde tempos imemoriais, desde épocas inenarráveis.
É uma poesia de vinte e quatro versos (cada uma das linhas gráficas do poema equivale a um verso), dividida em seis estrofes (conjunto de versos) de quatro versos (quadras), tendo como sistema de rimas, a rima do segundo com o quarto verso.
São versos decassílabos (dez sílabas poéticas).
Vejamos a escansão (divisão) do conjunto de versos da primeira estrofe:
“O-que-vês- tro-va-dor?-eu-ve-joa-lu-/a”
“Que-sem-la-vor-a-fa-cea-li-pas/sei-/a”
“No-a-zul-do-fir-ma-men-toin-da-é-/-mais-pá-li-da”
“Quem-cin-zas-do-fo-gão-u-ma-can-dei-/-a.”
“Mergulhando” nas águas límpidas desse “Luar de verão”, podemos entender que o jovem e romântico Álvares (desaparecido antes de completar vinte e um anos) era também ‘discípulo” da Natureza, vejamos uma parte do seu universo poético: lua, luar, o azul do firmamento, o tronco da nogueira, o rochedo , o pau de cabeleira; as praias, maré, ondas, maresia, o horizonte, as nuvens, etc.
Deixando assim de ser o poeta lúgubre de termos macabros como cadáver, morte, cemitério, etc., descrito nos livros de história literária e adepto do mal do século (melancolia), sonhador doentio e um jovem com “vontade” de morrer prematuramente.
Augusto de Sênior.
(Amauri Carius Ferreira)
(FERREIRA, A. C.)
Augusto de Sênior
(Amauri Carius Ferreira)
(FERREIRA, A. C.)