REALIDADE, HIPOCRISIA E REVOLTA
Saceia em mim a tua cupidez!
Porquê morrer à fome, se há comida?!
Penetra-me, com ânsia, tanta vez,
Que eu parta, satisfeita, desta vida!
Destrói em mim os mitos da pureza.
Que ganho em conservar a virgindade?
Tolice é recusar-me à natureza:
Fingir o que não sinto, é falsidade!
Beija-me; enlaça, enfim, como quiseres,
Teu corpo ao meu; mas vem, sem hesitar!
Sou apenas mais uma, entre as mulheres,
Que o tempo inutilmente vê passar…
Não me contento só com galanteios;
Ultrapassei as horas da recusa.
Tortura, com delírio, estes meus seios;
Saibas que a timidez, já não se usa.
Se ao homem tudo é lícito e banal,
Hei-de esmagar tamanha servidão!
Qualquer matéria humana é sempre igual:
Faço o que me aprouver; ou sim, ou não!
Acalma-te, mulher; não endoideças.
Não irás resolver a vida, assim!
Atende o meu aviso, e não te esqueças:
Nada é eterno; tudo chega ao fim…
Não sujes o seu nome, com más famas,
Nas ilusões fictícias do prazer!
É falsa a liberdade que reclamas:
Nunca podes vencer, porque és mulher…
Todos te olhavam, como prostituta:
Só terias desprezo, em vez de amor!
Julgas-te agora forte e resoluta;
Mas… não suportarias tanta dor!...
Os homens vencem sempre, minha amiga:
Pintam a manta, e nada lhes sucede!
Cai na miséria qualquer rapariga
Que cede a tudo quanto se lhe pede.
Podem vir filhos, fome, privações,
Lágrimas, sem remédio, do mal feito!
Perde-se tudo; surgem decepções
A cada passo, e já não há respeito!
Não praticarás tu religião?...
Olha que essas loucuras são pecados.
Dominemo-nos, pois, pondo travão
Aos nossos ímpetos desenfreados!...
Oh, homem; eu detesto os moralistas!
Já passaram de moda, sabes bem.
Palavras muito lindas, dão nas vistas,
Mas não se enche a barriga, sem vintém!
Porque não me hei-de então manifestar?
Dizer tudo o que sinto, livremente?
Dos meus desejos, não me vou privar!
Não dou satisfações a essa gente!
Cada ser vivo tem necessidades:
Comer, vestir, e partilhar carinho!
Quem procura esconder estas verdades,
Oprime, cada um, no seu caminho…
Dar conselhos inspira simpatia;
Pode até iludir os inocentes.
Quantos deles são vil hipocrisia,
Dados pelos mais pulhas delinquentes!
Há paradoxos na religião,
Que enganam muito mais do que esclarecem.
Vegeta nela cada santarrão…
Simulam servir Deus, mas enriquecem!
Se Cristo nasceu numa estrebaria,
Viverão os cristãos em humildade?!
É vê-los, cada um, no dia a dia,
Enganando o parceiro. Em caridade!
Tenho vivido muito revoltada!
Sou pobre, e vou gritar: independência!
Se não puder amar e ser amada,
Altiva, enfrentarei a decadência!