Estava vazia a casa. Havia pó que denunciava os anos de solidão aos quais já se tinha habituado. Acordou mergulhada no vazio consciente da sua vida, sem planos para o resto do dia. Ainda em pijama e com a pele molhada do sono, percorreu a casa canto a canto na expectativa de encontrar um recanto confortável para pensar no seu desejo. Mas nada lhe ocorria, só pensamentos sem nexo e projectos de poemas futuros que queria escrever. Porém não havia nada estruturado, nem paradigmas pelos quais se pudesse guiar. Estava livre mas não sabia como começar a voar. Naquela altura não havia livros de instruções através dos quais pudesse pautar o seu comportamento. A iniciativa perturbava-a cada vez mais e havia a pressão como pano de fundo. A cada segundo subtraía-lhe a respiração.
Sempre que se sentia vazia e revoltada contra a sua inutilidade sabia o que fazer: ouvia musica, lia escritas antigas, via fotos de outros tempos. Porém, hoje, nem isso a fez esboçar um sorriso, porque o sentimento direccionava-se a outro azimute que não o dela.
Um novo horizonte aproximava-se e era tempo de crescer. Mas as lágrimas denunciavam sempre o seu interior de criança. Preferia rir e pensar que os problemas não passavam de brincadeiras mal sucedidas. Punha-se um penso e passado uns dias, estaria já a correr para o parque infantil mais próximo. Não entendia qual a necessidade de seguir em frente quando já se sentia em casa.
Mas naquele dia os anos já lhe pesavam, e não encontrava posição que encaixasse nos seus pedidos. Ela sempre sonhara ser um pássaro, tinha sede de liberdade. Recordo ainda as redacções que escrevia na primária – Se fosses um animal o que serias? – a resposta vinha pronta – Uma andorinha. A explicação estendia-se por breves linhas que sumariamente traduziam o seu encanto. O olhar traquina de menina não adivinhava o que estaria para vir. Sonhavas ser artista e agora nem sabes o que és.
Saraaldeia*