Prosas Poéticas : 

Sinto o gosto da ferrugem a estalar-me nos ossos

 
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A memória revela-me fotos que nunca tirei, guardo-as uma a uma num canto do córtex onde os estilhaços se repartem em fechos de luz, o flash dispara.
A cal já não existe, foi substituída por alcatrão. Ainda lhe sinto o cheiro, os corpos ainda se passeiam na bacia metálica todas as manhãs, os rostos desconhecem-se sobre a água suja de sabão. Sinto o gosto da ferrugem a estalar-me nos ossos enquanto os escaravelhos morrem esmagados na linha descontínua do alcatrão.
Já se passaram trinta anos, passaram-se, desde que levaram a minha infância num saco a tiracolo, ainda assim é naquele chão que encontro as migalhas da minha felicidade, espalhadas num vazio sem queixumes.
Apesar de tudo ainda sinto as heras nascerem-me na alma, as mesmas que arrancaram à pressa das pedras, antes do meu último voo.

Mathilde Gonzalez



Mathilde Gonzalez - Pseudónimo literário de Conceição Bernardino

 
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MathildeGonzalez
 
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Enviado por Tópico
Migueljaco
Publicado: 27/08/2013 01:38  Atualizado: 27/08/2013 01:38
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 Re: Sinto o gosto da ferrugem a estalar-me nos ossos
Boa noite Mathilde, sabiamente, usastes palavras de profunda significância, denotando área nobre do cérebro, e a sustentação óssea do nosso corpo físico, para notificar o sequestro dos valores emocionais da sua personagem, que miseravelmente sobrevive de parcas lembranças da sua infância, posto que tornou-se alguém incapaz de formular um sentir contemporâneo, parabéns pelo seu contundente poema, um grande abraço, MJ.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 27/08/2013 02:49  Atualizado: 27/08/2013 02:49
 Re: Sinto o gosto da ferrugem a estalar-me nos ossos
*incrível.teu sentir tomou-me.beijoka*