Naquele dia, ainda não era dia
Meu cachorro chorou
Tinha perdido seus primeiros dias
Tinha perdido sua infância de cão
Ah! Nem tivera infância
Mas tinha um osso, sua vida, e bastava (se)
Sua primeira companheira suicidou-se
A segunda fugiu com um cão safado da cidade vizinha
A terceira sem latir, mudou-se pra outra cachorrada
Mas deixou um filhote lindo, deu trabalho, mas era filho legitimo
Que vida de cão, sem amigos, sem prazer
Sem casa e sem cama, nem berço pro filho
Não tinha nada, nem pente, nem dente, nem um sofazinho velho
Mas sobrou um cantinho piolhento pra dormir, bem no sereno
O cão líder da comunidade
De latido forte e intimidador
Latia sangrando o silencio do meu cão
Mas acalentava como pássaros sem asas
Que voavam em seus sonhos
E um trem em silencio viajava no sentido dos trilhos do eterno
Silencio iluminado de luzes apagadas onde o fim era sempre o começo
Loucos homens que se matam, a si, e matam, e a mim
E nessa louca viagem de cão, a luz do sol quando dorme é uma lua em gestação
Latidos e mordidas são feridas que não se cicatrizam
E a justiça não feita e o cãozinho morto na estrada?
E as estradas sem fim e as sombras sem árvores?
Os gritos sem ouvintes?
Pobre cão sem salário
Mudo cão e otário,
Sem advogado, sem juiz, sem juízo
Dorme cão amado, esse mundo é todo seu.
José Veríssimo