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Gê Muniz
45, 44, 43, 42, 41...
Estou a 45 segundos de virar estátua de sal sem sequer tornar para trás a cabeça ao escutar os gritos desesperados da desgraça de Sodoma, a 43 segundos de entrar como abre-alas no monumental último desfile do ultimíssimo carnaval, a 40 segundos de dobrar de vez o Cabo da Boa-Esperança no ponto mais ao sul da desesperança que o mar revolto da África arranca da carranca do marinheiro. Estou a 38 segundos de gravar para sempre na memória todas as parcas deslembranças, embora 36 segundos seja todo o espaço de lapso de memória necessário para acumular glórias de minhas vidas passadas e esquecidas. Estou a 33 segundos de dançar - gritando vivas! - a dança do avesso do vira, a 30 segundos do interstício do fim do tempo regulamentar rumo ao segundo tempo do umbral na calota polar, a 27 segundos de encher-me de alegrias jamais criadas, como aquela de descer porradas na cara daquele cara folgado que pensa que é o máximo e desfila pela rua como tivesse uma cauda de pavão toda ornamentada. Estou, pois não, a 24 segundos do último pedágio rumo à travessia da derradeira barca com destino ao outro lado da margem deserta do lago Titicaca. Estou, estou sim, a 21 segundos de levar na lomba aquele ferro pesado e pelado que me esgarça a pele e me reparte a nuca, estou a 18 segundos de ficar puto por nada, assim como tantos outros putos, os outros, sempre os outros a 14 segundos de emputecerem pelos quatro cantos do mundo com suas inutilidades pornográficas. Estou a 11 segundos de distância dos meus próximos pensamentos confrades que dirão sim, como que a contarem o tempo para novamente se encontrarem com o excremento cristão da futura bondade. Estou a apenas 08 segundos do aparato negro do luto, morto que jaz há 05 segundos, a 04 segundos de largar para lá de vez tudo junto ao mesmo tempo: o corpo, a vida e o lacre rompido do tempo. Estou a 01 derradeiro segundo da definitiva mudez, contem para mim depois, o que foi desviver esse tempo.
(Gê Muniz)