Sei que é difícil de acreditar, mas essa é uma história real.
Isso aconteceu em Bálsamo, minha cidade natal. Era um final de semana qualquer, já de madrugada. Três rapazes de uma cidade vizinha, Neves Paulista, bebiam numa mesa posta na calçada, no último bar ainda aberto. Não havia mais quase ninguém na rua, e no bar, mais duas ou três mesas ocupadas. Foi quando se aproximou deles uma figura um tanto quanto diferente. Era um rapaz magro, jovem, bem vestido com roupas sociais, mas com um estranho chapéu-coco na cabeça, visivelmente fora de moda e descombinado. Perguntou se alguém ali tinha fogo e já foi puxando conversa. E não é que o rapaz era mesmo bom de "papo"! Ele se apresentou como Chumbinho, dizendo que era assim que todos o conhecia e entre uma conversa e outra e mais cinco ou seis cervejas ficaram amigos (Se bem que nessa altura, o álcool ajudava bastante).
Depois de muita conversa e algumas "saideiras", eles pediram a conta. Chumbinho prontamente tirou uma nota alta, bem mais do que a parte dele, e disse que estava certo, que não fazia questão do troco. Se despediu e foi fumar um último cigarro ali perto, na esquina. Os rapazes entraram, acertaram a conta e no caminho para o carro encontraram com o Chumbinho novamente. E ai foram mais uns quinze minutos de conversa. Foi quando eles disseram que iriam pela estrada de terra, uma atalho conhecido para Neves Paulista, e o Chumbinho, então, pediu carona dizendo que ia naquela direção
A conversa no carro estava animada, mas logo o pessoal percebeu que acabou a cidade e nada do Chumbinho pedir para parar. Perguntaram para o Chumbinho se ele morava no sítio, mas o Chumbinho simplesmente disse que era logo ali na frente, que podiam continuar. Os rapazes acharam aquilo estranho, até pararam de conversar já cismados, quando de repente o Chumbinho disse:
- É aqui.
Os rapazes ficaram espantados, aquilo era estranho demais. Estavam na frente do cemitério e não havia nenhuma casa por perto (naquela época o cemitério ficava fora da cidade, hoje a cidade cresceu para além dele), mas antes que pudessem se recompor do espanto e pensar em alguma pergunta, o Chumbinho desceu do carro, agradeceu, se despediu e foi logo pulando o muro do cemitério.
Impressionados com aquilo, um pouco mais adiante, os rapazes decidiram voltar para tentar entender o que tinha acontecido. E voltaram para o bar, que por sorte, ainda estava aberto.
O dono do bar, Jaime, já estava desmontando as mesas, ao ver os rapazes até pensou que eles tinham perdido, ou esquecido, alguma coisa. Perguntou se era isso, disse que estava fechando, mas não teve como escapar da historia bizarra, que começou mais ou menos assim:
- O senhor não viu um rapaz que estava aqui junto com a gente agora pouco?
- Não reparei! Que rapaz? - disse o Jaime.
- Ele disse que todos o conhece por Chumbinho. Nos estávamos ali naquele canto... É que demos carona pra ele e ele pediu pra parar no cemitério! E ficou lá!
- Espera ai! você disse Chumbinho?
- É! Chumbinho.
- Naquele canto? - Perguntou Jaime com a maior cara de espanto e continuou. - Vocês estão de brincadeira! O único Chumbinho que eu conheci foi assassinado à facadas bem ali, naquele canto, há uns quinze anos atrás, ou mais!
...
Acho que nunca mais esses rapazes voltaram para Bálsamo.
O mais engraçado dessa história é que há pouco tempo eu vi e até cumprimentei o Chumbinho numa rua lá em Bálsamo. Parou de usar o chapéu-coco, mas continua esbanjando saúde e simpatia. O Jaime bem que podia ter aliviado, mas ele não ia perder a piada. É que o Chumbinho, quando perdeu o pai num acidente, ficou tão transtornado que de vez em quando cismava em ir dormir no cemitério, em cima do túmulo do pai. E o Jaime sabia disso. Sei que é parte difícil de acreditar nessa história, mas é verdade. (Pelo menos, é o que dizem. Se fosse para inventar alguma coisa, eu diria que o Chumbinho era coveiro e morava em um cômodo no cemitério, ou em alguma casa atrás e estava cortando caminho.)
Fico imaginando: O que será que esses rapazes ainda pensam?
Que em Bálsamo é fácil encontrar defunto bebendo em boteco de madrugada!
É! Quem sabe?
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