Que imagem linda sempre foi imaginar o amor chegando, imaginar como você seria, o que você faria quando nós nos víssemos pela primeira vez...
Foi pela manhã. Foi uma manhã como qualquer outra dentro de um ambiente interno; algumas janelas não abriram, algumas janelas não fecharam; então o ar era pleno, enchia pulmões, olhos e todo o ambiente em volta de sonhos oxigenados. As cortinas, mal desenhadas para as suas devidas janelas, não cobriam a realidade, a claridade do sol, quero dizer. Aquele sol que sempre esteve lá desde que nascemos... Acho que devia ser mais ou menos umas nove horas da manhã, talvez as horas fossem um pouco mais cedo ou bem mais tarde, não sei dizer exatamente; só sei dizer que eram 55 minutos passados de alguma hora entre o nascer do sol e a meia noite daquele mesmo instante.
O sonho de amar é belo, a realidade de amar não; o amor rasga a existência em um milhão de pedaços até você se perder de si mesmo em tantos fragmentos.
O eu olhou para o outro, o outro olhou para o eu. Eles se viram sem querer. O tempo parou. O tempo brilhou de repente, assim como um flash acontece pra uma fotografia. Então fiquei olhando, só olhando. O que mais eu poderia fazer enquanto sentia aquilo? Acho que até perdi a memória e acabei esquecendo o meu nome... Na verdade acho que até me desencontrei de quem eu tinha sido. Até o meu pensamento parou. É como se a única coisa que eu ouvisse fosse silêncio. Não, não, acho que eu estava conseguindo ouvir as nossas almas gritando...
O amor nunca foi belo, quando ele chega, devasta tudo, vem se mostrando com toda a sua violência.
E você ficou olhando e ouvindo os meus silêncios. O seu olhar pode ter durado anos, ou talvez precisamente 55 segundos daquela manhã, com aquelas cortinas imprecisas, com aquelas janelas sem dono. E minha alma calada sorriu pra você.
O amor é um dolo; não, o amor é um tolo que precisa de outro pra existir...
E sua alma chorou de volta pra mim. E nós gargalhamos em vibrações de baixa frequência; ninguém pode ler os nossos silêncios em voz alta além de nós mesmos. Então conversamos em silêncio por quase meio século em uma pequena fração de tempo, 55 segundos.
O amor é inseguro, ele chega chorando e pedindo colo e consolo com medo de morrer em um segundo.
Então os segundos acabaram, as cortinas mal feitas foram abertas, as janelas foram quebradas. A conversa acabou. Sobraram o oxigênio do ar, a claridade daquele sol que sempre esteve lá desde que nascemos e nós; sim, você e eu sobramos. Sobreviventes da violência silenciosa.
O amor chega a ser quase o mundo. O amor se finge de morto...
Se sobrar algum tempo depois do tempo, lembre-se de nós.
O amor é mudo.