Poemas : 

Programas

 
Programas







A beleza e a arte são visões peculiares do teu software,
Da ilusão criativa dos bits do teu olhar.
A inteligência carrega nessa linguagem
Toda a relatividade nesse matrimônio com a matemática,
Uma outra visão periférica do teu software.
Que o amor sem quintais
Logo mais irá propor em divórcio trincado.

E quem te reprograma são as relações de encaixe,
Também as relações de atrito, ao sabor do contexto.

Assim é, derramando na obviedade, com tua vaidade
E soberba, sempre desmedida, sempre ridícula,
Chorume de um abjeto curtume, costume,
Que o odor testemunha e te levanta
No software da repulsa ou do costumeiro deleite.

Assim é com tua beligerância, desenho predileto dos infantis,
Que te danifica temporariamente,
Até o reajuste com o novo programa que te delineia.

Não te incomodes, é terapêutica necessária
Para os que não influem, para os que não fluem,
Para os que não conseguem escapar da letargia do aconchego,
Nesse canto da sala em separado e discreto.

Mas a tua beligerância tola, de escape e tangência,
Também é relativa,
Uma produção de terceira, na câmara escura
Do teu cérebro, pasta de amendoim para os incautos,
Outro software reprodutor
Que te insemina como a uma vaca reprodutora,
E que te faz dar as mamas aos bezerros, tua grei,
E que te equaciona, te emprenha neste prazer fugidio,
A que chamo instinto de matilha.

Os lobos também “amam” acobertados pelas aspas e,
Note,
Tu também “uivas” acobertado pela mesma proteção.

Tu copulas e gemes imitando uma epifania pífia,
E tu tens a mesma e cega convicção nesse ato
Que te conjuga, sub-reptício, na vida animal.
É teu verbo, nosso verbo!

E somos iguais, e somos bem diferentes,
Ao gosto da conveniência, da covarde conivência,
Sendo um e outro neste exíguo espaço,
Espelhos a se refletirem, a se construírem,
À cópula de reflexos embaçados.

Narcisos falidos, combalidos, extenuados,
Retalhados nessa lâmina,
Nessa fina camada, superfície tênue,
Onde deitam e se aconchegam tuas torpes ilusões.

Fraco, anêmico e repugnante pensar de sarjeta,
Porque águas profundas asfixiam teu exercício cinético,
Senão, para te mostrar tua plástica,
Tua carantonha, imagem real do teu ser em plena construção.

Tira o plugue da tomada, mas descansa no trabalho que dignifica,
Posto que é no teu silêncio mais profundo
Que encontrarás tua fala original, a tua voz,
A tua matrix.

Lá, conversa com Deus sobre tua sanha,
Lá, não precisarás manter a guarda ou construir poemas,
Porque lá o conteúdo é nada e o que vale
É o momento presente, sempre esvoaçante e novo.
Porque o “lá” não existe,
Porque tudo, absolutamente tudo (e, atente para isso),
Está definitivamente em ti.

E o além para o além disso?
Pergunta em crispas e trincas
No limite do teu diminuto pensar, à beira,
O teu já engasgado software.
Novamente, repito e repito: Neste infinito, que és tu.

Mas, por enquanto (e essa é nossa tragédia momentânea),
Somos escravos e a humilhação está
Na subserviência do nosso próprio e opróbrio
Plantio de estrumes.

Ah, extremado horror, supremo horror,
Degustar, se alimentar da própria merda,
Evacuar na própria boca e gozar e rir,
Sem perceber esta sansara, círculo do teu ridículo.

Este poema não te ofende mais do que tu a ti mesmo
Ao te ferires no ato de tua mendicância senil,
No máximo, abre uma fenda, uma fresta ao teu pobre olhar.

Este poema, evidentemente, é também um software,
Que vai te imprimir, te apertar, te espremer
E forçar uma reação.

Conjectura minha, já que não faltam engolidores de almas,
Aqueles que não se cansam de perquirir,
Aqueles que insistem no chicote cru do pensar arredio.
Na verdade são para esses que escrevo, desvia teu olhar.

Talvez vomite devido a um estômago ulceroso e delicado,
Talvez te faça berrar e, depois, em espanto:
Por que grito?
Neste momento, te fisguei, nem que seja pelo teu fundilho.

Talvez te faça arfar, imitando a asma,
Miasmas que te roubam o fôlego já pressurizado.
Talvez a tua indiferença tenha os dias contados.

Enfim, novamente, teu plantio, tua escolha,
E tua compulsória colheita neste campo, latifúndio só teu.
E não te preocupes com os vermes,
São metáforas do homem que trabalha,
Preparando o solo para a nova semente.

E mais uma vez a sansara
(maldita e bendita circunavegação),
Um novo software e,
Novamente, teu grito de dor ou teu gozo.

Por fim, tua inteligência irá reclamar um novo jogo,
Um novo degrau, um patamar,
Nessa tua escala evolutiva que, quem sabe,
Em um outro programa te faça mais louco,
Erguendo tua lucidez onde poucos, bem poucos,
Possam efetivamente te acompanhar.

Serás chamado de imbecil por muitos,
Mas a isso, quem irá ligar?
Só o mundo dos tolos,
Dos comedores de cachorro, irá dar atenção,
Porque irá incomodar, arder e sentir queimar
Qualquer coisa bem dentro do próprio mistério do sentir.

À fogueira, então,
Beber e se embriagar nas labaredas da sabedoria
E não te preocupes com a solidão,
Porque os bêbados nunca estão desacompanhados.
Não são delírios as tais visões.






Milton filho, 21.07.13






 
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Srimilton
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