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Nana nenê,
cordeirinho de Nanã.
Santa Ana,
a Santa de Santana
chora sangue
e barro.
O rosário quebrou.
Do pó viestes,
em vestes sujas de lama.
Lama é água e pó,
terra eterna
úmida a ponto
do entremeio
sólido-líquido.
É um solilóquio aquoso,
essa cantiga de ninar.
Vibro as cordas vocais
e sinto eco nos pulmões,
vou escalando
linhas e espaços
de um pentagrama púrpura
na clave de um sol.
A canção é para ninar-me.
A canção é um carinho íntimo,
afago da vibração do som.
Fui chamado de cordeiro,
mas não sou cordeiro não.
Se adormeço,
por acaso,
inevitavelmente o canto pára
e caio de paraquedas
no instante-além, onde a canção me deixou.
Vejo tudo com movimentos rápidos dos olhos.
É púrpura.
Minha sabiá é roxa.
O turbante da negra
manuseando a argila
é roxo.
A negra é velha,
é minha mãe,
minha avó.
Mãe e avó do Cristo
também.
A negra faz com argila
corpos de cristos,
imagem e semelhança
de mim.
A negra velha
sabe o que faz.
Esculpe meu corpo,
em barro,
pó lacrimal.
Dá-me forma,
em posição fetal.
Quando adormeço,
embalado de sono,
cansaço
e esperança,
a artesã vem retocar
minhas imperfeições.
Ondas alfa,
ondas beta,
ondas lama,
maremotos de sonos
intranquilos.
É ela quem me salva
do pesadelo.
É ela quem me salva
do peso nas costas,
me faz pó úmido
humildemente sábio,
terra eterna
imperfeita.
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