Sentei-me na esplanada, onde os olhares atingiam ruidosamente o mar. Sorri, entre um palavrão e um cigarro, como era habitual sempre que avistava o som estridente e preocupado da Mónica. Chegava sempre atrasada, de braço no ar, acenava-me de longe como quem se despedisse do último comboio ainda em andamento. Dava sempre a mesma desculpa; o trânsito estava um caos, e repetia-se vezes sem conta como se o inferno estivesse prestes a cair-lhe em cima. Ao mesmo tempo que a ouvia fixava o rebentar das ondas, perdia-me demoradamente no som rebelde da minha solidão, entre um olhar e outro o tempo escoava-se entre dois ponteiros desalinhados. Ela nem sequer reparava que eu já tinha embarcado mar adentro e continuava a falar desesperadamente da rotina do shopping, dos arrufos com o marido e das saídas precoces dos filhos. Quando a sirene da fábrica tocava o primeiro round, levantava-me sem saber se voltava àquele porto:
- Mónica despacha-te, o relógio de ponto não espera.
Conceição Bernardino