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Gê Muniz
QUANDO?
Quando a barba do rosto estará intencionalmente mal-feita? Quando embarcaremos no trem errado sem reclamar do tempo perdido? Quando faremos refeições prazerosas sem pensar na quebra da dieta? Quando beberemos o vinho que com os próprios pés amassamos? Quando tomaremos banho pelados num rio de águas claras? Quando não precisaremos mais de motivos para visitar a casa dos amigos? Quando, finalmente, aprenderemos a teclar o piano? Quando voltaremos a beijar de língua na última sessão de cinema? Quando, em plena segunda-feira, usaremos o faqueiro de prata? Quando desceremos do armário o aparelho de jantar de louça inglesa para comer arroz e feijão? Quando leremos livros de Machado de Assis deitados numa rede? Quando, nas madrugadas, ouviremos serenata? Quando buscaremos rostos nas nuvens? Quando pescaremos lambari com vara de bambu? Quando ouviremos novas histórias de saci? Quando lambuzaremos as mãos no roxo das amoras? Quando sentaremos a bunda numa cadeira de balanço? Quando, na varanda refrescada, beberemos limonada com gelo? Quando andaremos de patins? Quando pintaremos um quadro sem saber pintar? Quando, sem remorsos, sentaremos relaxados num banco de jardim nas tardes de quarta? Quando encerraremos nossas contas correntes, nossas poupanças, nossas aplicações financeiras? Quando não precisaremos mais economizar sorrisos? Quando jogaremos fora, de vez, os planos asquerosos de sucesso às custas do sucesso de outrem? Quando seremos nada mais do que homens com sinceros e honestos defeitos? Quando ouviremos a voz genial, infernal e muda do próprio coração? Quando não nos incomodaremos com o passar dos anos, com o flagelo das rugas? Quando, meu Deus, poderemos morrer em paz simplesmente agradecidos pela vida vivida? Quando, meus irmãos, neste mundo de tantos “quandos”, tomaremos as rédeas daquelas atitudes que julgamos corretas?
(Gê Muniz)