“Livre de quê? Que importa a Zaratrusta. Mas o teu olhar deve dizer-me claramente: Livre para quê?” Friedrich Nietzsche
Enrodilhada, hermética, deserta na imensidão de ser lugar em espera, a cadeira branca olhava a rua por entre as frinchas janeladas do hangar. Baloiçava-se em forma de ventania no coito quadriculado da pedra negra. Na mica, na dolência algébrica da chuva; não mais que relaxamento do próprio vento.
O pensamento: - Escolheu ser livre. Livre na liberdade maior de amar.
Na distância, jamais ausente. Presenteou-se de amor. Deu-se em amor. Amou para além de si. Amou no infinitivo do verbo. No acervo do gesto envolto em penumbras rotas. Ocas as palavras que ainda lhe fustigavam a pele do espírito, que lhe queimavam o céu-da-boca – as palavras não ditas. E as outras…Pássaros elevados em penas agitadas, alquímicas, de negros corvos.
A cadeira.
Aguardava o terminado dos corpos, bolsos da alma, em que se sentaram esgotadas solidões de tempos. Tempos em que as pernas vaguearam íngremes a plenitude da estrada, em que as pernas quadradas se arredondaram devoradas em dentadas de cães. Nos dentes afilados das matilhas sôfregas, esfomeadas.
Os seus cães. As suas pernas…
“Livre… livre para quê?”
De que lhe servia a liberdade se, o lacado vítreo e branco não se colava à pele do corpo. Se em cada fim de tarde não se vislumbrava distendida ou enroscada num outro corpo. Se apenas vira rente o por do sol num prisma invertido e decomposto?
Debruçada sobre a cadeira, estagnada, dorme a morte.
Vazia. Na hipnopatia silenciada dos afectos. Já viveu tantas vezes e, contudo, perpetua-se temerosa, tibieza amolecida nas amarras da vida.
A noite chega, a noite é tal poema, tal morna ou fado. Fado algemado na liberdade da vida. De ser vida. (Ser)vida fria…
*
Caminho calmamente entre a sombra de mim e a sola finda dos meus sapatos. Ali mais abaixo, onde o pó dos abstractos guarda agora o esquiço do teu retrato. Longínquo. Visto-me de esquecimento e parto. Parto e pouco me importa que teu olhar não tenha mais em mim o impacto incendiário do luar em campos de cerejas. Que não me toques, que me não vejas e me não desfolhes em pétalas rubras d’astros.
Parto e sou livre. “Livre de quê?”
“Livre… livre para quê?”
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