Amigo, se tens dinheiro,
Podes entrar livremente,
Que esta casa é toda tua.
Folgo em ver-te por parceiro!
Os outros, que nem são gente,
Passem ao largo, na rua!
Reinando a hipocrisia
Na nossa vida diária,
Que poderemos fazer!?...
Honestidade é mania
Que caducou, solitária,
Em quem não sabe viver!
De enxada firme, na mão,
Luta o rude camponês,
Do nascer ao pôr do sol!
Não tem qualquer instrução.
Mas adora a pacatez,
E o cantar do rouxinol!
Porém, se fica doente,
Desanima, vai morrer
Sem consultar um doutor!
Este não é indulgente:
Fiado?!...não pode ser!
Curar, tem muito valor!
Perante a miséria alheia,
É uso recomendar
Amigo, tem paciência!
Porém a barriga cheia
Dispensa-nos de pensar
Em toda e qualquer carência!
Senhoras aperaltadas
Julgam-se muito importantes,
Cumprimentam-se de beijo.
Bonecas desengosadas,
Pecando por petulantes,
Andam mortas de desejo...
Viver nesta sociedade,
Com sorrisos impostores,
Foi sempre a melhor maneira!
Amordacem a verdade,
Submetem-se aos opressores,
Vassalos, a vida inteira!
Que pode um pobre diabo
Fazer em sua defesa,
Num mundo de hipocrisia!
Resta-lhe enrolar o rabo,
Vergado à sua fraqueza,
Rastejando, dia a dia!
Vejam aquele engenheiro
A dar ordens importantes,
Ridículo, autoritário!
E a submissão do pedreiro,
Agora, tal como dantes:
Quase mendiga o salário
Perito em transformações,
É notável troca-tintas,
Esse aldrabão advogado.
Em acesas discussões,
Mudou em farsas distintas,
Um inocente em culpado!
Mas, isto de tribunais...
Há tantas razões de queixa...
Abusas de negligência...
Os crimes são mais e mais,
Porém a Justiça deixa
Sempre impune a delinquência?
Quando uma jovem solteira
É mãe, vem logo a censura,
Ninguém lhe quer dar a mão!
Tendo a dor à cabeceira,
Dorme em leito de amargura,
Num quarto de frustração!
Se outra pratica um aborto,
É criticada também
Por destruir uma vida!
Fala-se mal por desporto,
Pois ajudar não convém,
Se a caridade é fingida!
Expulsaram duma empresa
Um pobre trabalhador
Por roubar um chocolate!
Porém não causa surpresa
Que um digno administrador
Leve milhões! Ninguém bate!
È esta a justiça humana!
Não temos nada a fazer
Nem um santo, que nos valha!
Qualquer um ao pobre engana!
E só consegue vencer,
Quem pouco ou nada trabalha!
Quando os jovens namorados
Olham só para a beleza,
Temos um divórcio à vista!
Erraram! Estão saturados!
Sem amor, sexo é frieza!
Não há ninguém que resista!
O namoro é franco estudo,
Onde deve haver coerência,
Entusiasmo não basta!
Perdido este, vai-se tudo!
Tolerar é penitência,
Que a grandes males arrasta!
Oh, vida, és uma impostura!
A Força é quem nos governa,
Jamais triunfa a razão!
Ai, se este brado é loucura,
Na minha vida revolta interna
Pesa muito a solidão!