sabes meu filho a criança
que estende a mão não espera
em pose
pelo traço
de giovanni bragolin
sequer sonha com o fogo
que desse sente ficará
como única confidente
da linguagem secreta
das labaredas
não é o fogo
que a irá libertar
da sua condição
não pede a eternidade
mas o instante
sabes ela não corre pelas ruas
com o sorriso nos lábios
e no olhar
embora também ela saiba
do sorriso
inventa-o
quando o resgata ao rosto
fechado
a sete lágrimas
que amiúde
sem fingir
lhe rasgam a face
sabes essa criança
(gostava agora de ter
a ironia
do xosé maría álvarez blásquez
quando escreve
non é certo que os nenos teñan fame
gostava
mas não possuo a faca
que corta o pão
e o serve friíssimo aos outros
aos indiferentes
fraqueza minha
confesso)
porque essa criança
esta criança
que estende a mão na esperança
de uma moeda
tem como preciosidade
sua
exactamente a fome
sei que de poesia
pouco há no que te digo
filho
mas a poesia
também deve ser isto
voz capaz de dizer
o mundo
o mundo concreto
por mais vil que o mundo seja
sabes
imagino a criança
como o vagabundo
do manuel da fonseca
o que leva o sol
na algibeira
sempre me sinto mais reconfortado
vale mais imaginá-lo
assim
do que a moeda
que se entrega
que essa mal alivia
o peso
que se sente a cada passo
sabes todos nós
carregamos
uma pedra igual
à que os deuses deram a sísifo
a nossa própria pedra
dia após dia
sentimos
tal como refere
albert camus
que a pedra faz parte de nós
tal como este relógio
já faz parte de nós
tal como a máquina
com que fabricamos o pão
nosso
de cada dia
sabes não é justo
que a mão permaneça vazia
e
como no cinema
vistamos a pele
de figurantes
passemos por passar
frente à câmara do mundo
levando
secretamente no bolso
uma carteira
repleta de maleitas
pronta a ser aberta
quando o olhar da criança
nos bata de frente
sabes meu filho
agora que cheguei
a casa
e sem saberes
contigo falei
resta recolher-me ao abrigo
de um verso
da clara maria barata
em que o sol lhe disse
que amanhã acorda cedo
talvez amanhã
sob o signo
de um sol renovado
passemos pelas ruas
das nossas cidades
e a criança esqueça a mão
e nos estenda um sorriso
Xavier Zarco