Poesyck – ilha localizada no centro do Triangulo das Magias, governada pelo mago Peace Alquimium, grande mestre do poder da benevolência e da magia universal. Sua alma esotérica era praticamente constituída de dons benignos, mas continha pequena parcela de cunho maligno na mão esquerda, mas que não interferia na sua bondade. Peace Alquimium nutria o desejo de eliminar de vez toda e qualquer bruxaria demoníaca que interferisse no reino de luz destinado à humanidade.
Havia muitos magos de segunda e terceira categorias, porém onze deles causavam-lhe preocupações por se deterem em magias pelo caminho da mão esquerda, cujos atos evocavam sacrifícios satânicos. Por muito tempo investigou aqueles bruxos e não tolerando mais suas atitudes ocorreu fazer-lhes uma proposta. Pensou nos prós e contras e decidiu enviar instigantes missivas convites a cada um.
Evelyn Smith, Randolf Müller, Eleanor Creman, Anastácia Soy, Andrew Silver, Anah Rymond, Paul Clarency, Mathews Madeira, Peter Villar, Arthur Vidal e Antony Salvatori, todos com idades entre 40 e 50 anos, receberam a correspondência do Mestre das Magias, e imediatamente entraram em contato entre si para levar a cabo a proposta ali contida. Após pequena assembléia deram início aos preparativos que terminariam no grande e ambicionado banquete que aconteceria dentro de doze meses após o primeiro sacrifício. Fizeram um sorteio para estabelecer o dia e qual deles seria o primeiro a ofertar o manjar.
Assim, os meses foram passando e um por um se fez anfitrião, alimentando e sendo alimentado com suas próprias carnes de acordo com a carta convite recebida que dizia:
Do alto e do poder que me cabe comandar, reestruturar e pacificar todos os atos cometidos pelas inteligências mediúnicas existentes nesta esfera planetária proponho: Que os detentores de poder que utilizam as magias do caminho da mão esquerda usando da supremacia do ocultismo, que receberem esta carta, cortem suas mãos esquerdas na altura do antebraço e ofereçam entre si como manjar durante onze meses consecutivos, sendo que em cada mês seja consumido apenas um manjar por vez. Desta forma se alimentarão da magia um do outro e com isso o dom negro será erradicado de vossos atos e anseios. No décimo segundo mês, se farão presente nesta ilha de Poesyck, com seus trajes de gala, onde ofertarei um banquete cujo prato principal será minha mão esquerda cortada no pulso, pois que o lado obscuro do mal em minha essência é de pequena proporção. Quando tiver servido a todos e não mais restar resquícios de unhas em vossos pratos, receberão de mim a visão e todo o conhecimento que advém da Pedra Filosofal.
E finalmente chegou o grande dia.
No amplo salão, onde uma mesa para doze estava requintadamente composta, ouvia-se o burburinho das vozes, em respeitosa moderação de timbres. Uma breve gargalhada soou, algures, e todos os olhares se voltaram para a origem dela, com uma estranha atitude de quase consternação e ofensa: fez-se um silêncio pequeno, e, logo depois, as conversas e os rostos voltaram ao tom grave, quase austero, que a ocasião impunha.
Alguém deu voz à ordem de sentar – o jantar ia ser servido. Havia doze lugares à mesa, mas só onze convidados na sala – sete homens e quatro mulheres, todos de idades a rondar a meia vida. O anfitrião, como sempre acontecia naquelas reuniões, serviria a refeição, e só se sentaria no seu lugar, ao topo da grande mesa, quando entrasse com o manjar e o servisse a todos, um por um.
O candeeiro enorme, suspenso sobre a mesa dos onze convivas, pareceu oscilar levemente, concedendo aos cristais que lhe adoçavam a luz, refulgências de curiosidade e espanto. Todos se voltaram para a porta, estranhamente sentindo uma aragem fria, reminiscências de brisa marítima, um gosto quase salgado-seco na boca...
O décimo segundo conviva, erguendo na mão direita uma enorme bandeja, trazia o braço esquerdo enfaixado e seguro ao peito. Uma mancha de sangue vermelho vivo trespassava as gazes brancas, deixando perceber que o acidente fora recente. Mesmo assim, sorria, triunfante, quando entrou na sala. Depois, em silêncio, pousou a bandeja sobre a mesa: uma mão esquerda, cortada com o pulso, fumegava, ainda, na enorme travessa...
Todos bateriam palmas, se tivessem as duas mãos... mas, claro, a todos os restantes convivas, faltava já a mão esquerda, cortada ao nível do antebraço... restou-lhes olhar com respeitosa admiração o “último sacrificado”, e, com estranha e discreta gula, o “último manjar”...
Aquela mania de escrever qualquer coisa que escorrega do pensamento.
Texto participante do VII EVENTO 2013
DO LUSO-POEMAS