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Re: a máquina
Gostei. A pressa de fugir, desaparecer, era grande, estava decidido, e tudo que precisava naquele momento era que a bendita máquina liberasse a passagem em tempo hábil, mas a dita não expelia-a, como se ele tivesse todo o tempo do mundo. O lado trágico (não posso fugir do clichê, do lugar comum: é tão trágico que chega a ser cômico) é que, para quem foge, cada segundo é uma eternidade, os sentidos são amplificados, o coração acelera, e o instinto de sobrevivência, auto-preservação, leva-nos a atitudes inesperadas, bem mais, até, que o cúmulo de desferir tapas e ponta-pés numa máquina, como se ela reagisse a agressões e sentisse dor, ou mesmo rolar no salão com a dita-cuja como se fosse luta, ou, na interpretação de alguns espectadores, em movimentos que encaixariam-se perfeitamente no ritmo de um tango. Aos alheios ao fato, pode, sim, haver uma falsa interpretação do ato. Cito a sabedoria popular, econômica, as vezes cômica, enxuta, sem firulas, que atravessa até mesmo fronteiras (literalmente), as famosas frases nas traseiras de caminhões, esta que segue encaixa-se perfeitamente no sentido de ilusão criada quando pegamos o bonde andando, sem conhecer todo o contexto da situação: "se um dia me ver abraçado com mulher feia, pode apartar que é briga...". Valeu, Fotograma. Aprecio muito, contos que são recortes, que não tem início, como seu texto, pois não sabemos quem é ele e do que foge, quais as cobranças, e nem tão pouco um final, pois não sabemos o que acontece quando ele pega a passagem e vai-se. Fica-se, assim, um texto interativo; os cérebros sem governo criam por si mesmo enredos inteiros onde encaixe-se este fragmento de texto. Gostei deveras. Valeu.
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