Contos : 

 
Surpreendia-se vendo aquelas fotos e de não parecer outra coisa que não sua própria e sombria pessoa, vivente ao léu e não um animal qualquer , talvez uma ave : uma gralha,um pombo ou até um cão ,outra forma de vida qualquer sob a qual o sofrimento houvesse transfigurado a si e a sua natureza
.Não inventara a solidão , mas eram bons e velhos parceiros desde há muito, embora não percebesse senão após tantos anos, seu completo abandono á margem de si mesmo e das fronteiras do seu mundo.
Via as fotos , lembrando dos momentos em que foram feitas, a tristeza ,a alegria manca, o ressentimento atroz e engolido,a fúria reduzida a um mero olhar para o horizonte,ou um olhar a perscrutar a lente, docemente inexpressivo e terno,flagrado em seu próprio vazio , afogando a sede de gritar que o tirassem dali ; que tornara - se uma criatura supranumerária no mundo , em meio a tantas outras que nem valia a pena contar .
.Em íntima parceria , trabalhavam lado a lado ; a alma naquele túnel que lhe abrigava o existir; lembrando que antes ,muito antes, tão mal falara da parceira , descendo até o escárnio : solidão era coisa de fracos e debilóides , uma forma branda de estupidez.
Aprendeu a conhecê-la nos outros , percebia sua natureza sufocante , dissimulada no riso falso e alvar , ás vezes evoluindo á gargalhada demente e deslocada .
Surpreendia-o a preservação de suas formas humanas ; seria em pouco tempo um cachorro cabisbaixo ou um desconfiado gato andarilho e magro ou obeso e depressivo tal os enormes e lustrosos gatos dos freqüentados hotéis de beira de estrada?
Tornada uma segunda natureza depois de tantos anos de vida errante e ás vezes até meio folhetinesca , sem nenhum Balzac para narrar-lhe os desvarios ,hoje apenas durava (já dissera alguém) , arrastando-a em sua mala , sob o peso do viver , fazendo – o pela metade,dando-se á vida aos poucos,aos dedais, explorando-a cauteloso com as pontas dos dedos dos pés por puro medo de queimar-se , temendo até quem tinha medo de ter medo ,tentava partilhar sensações difusas , sua versão de amor , trôpega e reticente .
Depois percebia – se incapaz de sentimento algum , pois a cada adeus , assumia-o uma paz misteriosa e reticente , um conforto espiritual e vago , lenitivo a cada ruptura ; ás vezes afloravam -lhe lágrimas aos olhos , apenas como um exercício básico de ser : chorar para sentir -se capaz de fazer sair daqueles olhos grandes , encovados e castanhos , lágrimas ou algo similar á emoção , de alguma forma manifesta pelo corpo , que pudesse ser expressado na frente daqueles todos , que embasbacados , jamais o compreenderiam, por chorar e dar as costas em tão estranha rapidez , sem dissimular o desejo pela distância , sem ânimo sequer de deixar um rastro de humanidade, por mais apagado que fosse , esfriando a si mesmo, desembalando o sentir no calor da angústia, existindo numa vida posta pela metade e vivida ainda menos que isso , em pequenos pacotes de realidade .
As esperas nos aeroportos,nas rodoviárias, nos trens, nas barcas rio acima e abaixo, sozinho,sempre sozinho e sentindo-se bem por estar e sentir-se sozinho, ele e o vasto , indiferente e para sempre incompreensível mundo e sua bagagem, tendo apenas um ao outro, perdidos no burburinho,na multidão dos aeroportos,nos olhares das aeromoças solicitas ,simpáticas, ás vezes bonitas, (e até solitárias, quem sabe ?).
O vasto sorriso de gratidão que ás vezes encantava as pessoas (disseram-lhe certa vez, possuir um sorriso generoso e quente) ; intimamente desprezado , aquela contração muscular ordenada ,o fugaz mostrar-se por dentro apenas sob forma de dentes desalinhados e meio amarelados, que tanto enganara a si mesmo e a todos , agora apenas cacoete e estratégia vital acessória e básica , muletas do ser.
Nunca tivera o menor prazer em sorrir. O viver , mecânica pura, um planar pelo mundo em piloto automático, um singrar rios e avenidas , guiado por um sentido do qual nada sabia até porque aquilo sempre fora pensado como sendo ele mesmo, nada além dele, mas a solidão era o seu motor.Não inventara a solidão. Ela sim , o criara á sua imagem e semelhança












andrealbuquerque

 
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andrealbuquerque
 
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Enviado por Tópico
Betha Mendonça
Publicado: 18/05/2013 20:05  Atualizado: 18/05/2013 20:05
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 Re: Só
Gostei do tom da narrativa:
um ser a se olhar de fora e
dizer de dentro com ele (ser humano)
vê a si mesmo e imaginar como os outros o vêem.
Se tivesse um piloto automático
eu o ligaria por esses tempos
e me daria algum descanso.
Abraço.


Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 19/05/2013 19:42  Atualizado: 19/05/2013 19:42
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 Re: Só
antes de mais nada, parabéns atrasado.
voce nunca perde a mão (boa). visualizei uma cena
de alguém (distraído) ao passar pelo espelho, não se reconhecer.
ver outra pessoa... obrigada André. bjs