I
A lua ia alta nesta noite fria. Embora fosse primavera ainda eram aqueles dias tímidos em que a alvorada mostra os primeiros raios de sol enfraquecidos e os pássaros ainda ensonados entoam as primeiras notas de bom dia ao mundo. Ouvia-se não muito longe dali as ondas fortes do oceano embaterem nas rochas frias como que a gritar: “serás minha!”. As àrvores dançavam contra o luar embaladas pela aparente calma melodia do vento. Dançavam e dançavam num hipnótico movimento de vai e vem como se o tempo estivesse assim, suspenso no ar mas como tudo na vida não estava e os primeiros raios abraçavam agora o céu tocando as poucas núvens dispersas na vastidão azul-alaranjada que pintavam esse amanhecer. Ao longe ouvia-se os primeiros filhotes da primavera a chamarem a atenção dos seus progenitores. Tomei particular atenção numa família de patos que por ali passava perto do riacho onde eu me deleitava com esta imagem matinal. A mãe a ensinar carinhosamente mas de forma rígida os primeiros passos dos seus rebentos na gelada água e como eles corajosos se bem que algo desastrados a seguiam incondicionalmente. Eu via-me perdida em devaneios sobre como seria se nós meros humanos tivessemos esta capacidade cega de confiar em quem nos gera sabendo que incondicionalmente nunca nos íriamos magoar ou quando feridos estes seriam os primeiros a tocar-nos com os seus “bicos” e a endireitarem-nos no rumo certo, passo a passo. Ouvi um grito ao longe: “ Socorro”. Demorei algum tempo a realizar-me desta voz rouca que soava tao distante mas ela persistia incessantemente: “Socorro!!!”. Levantei-me de um salto, algo díficil pois estivera toda a noite acordada a observar as estrelas sozinha reflectindo sobre tudo e nada como em tantas outras noites, sacudi as silvas que se tinham teimado em prender na minha longa saia, não que desse grande importância ao facto afinal nunca o dera e corri o mais que as minhas pernas permitiram em direcção ao som. Comecei a gritar de forma calma mas clara: “ Estou aqui, fale comigo estou a tentar encontrá-lo”. Silêncio. “Fale comigo!!! Ou não poderei ajudá-lo!!!”. Não obtive resposta. Senti-me subitamente tonta, afinal tinha estado toda a noite a pé apenas a deliciar-me com os prazeres sensoriais que a natureza oferecia-me. A visão turvou-se e apenas senti desvanecer-me do mundo. Não me recordo por quanto tempo estarei estado no limbo do desconhecido mas quando abri os olhos as árvores, a relva sobre o meu corpo, as flores e até as pequenas aves que voavam agora que o sol ia alto pareciam-me diferentes. Estranhamento todo o mundo parecia ter agora uma espécie de névoa permanente azulada e ao mesmo tempo tão detalhada ou ainda mais que a minha até então outrora realidade. Interrogava-me... “Será que bati com a cabeça?”. Levei as mãos à minha testa mas parecia-me estar tudo bem, nem sinais de uma febre ligeira apresentava. “Porque estou a ver tudo o que me rodeia, incluido as minhas vestes que eram negras como trajava habitualmente, rodeadas desta estranha luz azulada?”. Devo ter falado em voz alta, coisa que não me tinha apercebido pois ouvi um sussurro ao meu ouvido que não esperava com a resposta à minha dúvida.
(trabalho em progressão)
Mafalda Sanches
Um pequeno conto que surgiu na minha mente e que resolvi iniciar com o título de "Filha do Luar".