Nas beiradas do nordeste brasileiro, maleitado ao extremo pela seca prolongada, estiagem cinzenta, beirando ao desespero a terra, gente e bicho, tudo vem se agarrar a última esperança. E vem, salvador, um punhado de chuva - embora miúdo, cair sobre o torrão ensanguentado pelo sol, alevantando o cheiro de terra borrifada venta adentro, nutrindo o pulmão de pó de barro.
...É a hora de acordar a enxada recostada a meses no canto da parede, agonizante instrumento - quase mortuário, sombreado pela assustadora possibilidade de ficar por ali, inerte, remoendo lembranças de tempo de fartura e maldizendo da sorte até a ferrugem comer tudo, restando alfim, apenas, o pau esticado de quixabeira. De olhos arregalados para porta gemedora, receptiva ferramenta, parece menino com traquinagem entrando, ao ver o sertanejo cheio de jeito e trejeito sacudir a voz lá do terreiro em tropel - de gogó aberto ao mundo, gritar a novidade esperada a meses:
- A chuva caiu na terra! Que bênção, meu Deus!
D. Sinhazinha, dentro da casa, embora apegada ao fogão de barro, mexendo o bocado, aguaceiro dentro da panela - quase nada de feijão, punhado de mais só d'água tirada do ocado da cisterna, ainda com as ouças apuradas, cutucou os ombros com o queixo, olhando de soslaio porta afora, tirando um riso de felicidade do rosto sulcado pela idade octogenária. Pensou consigo: Deus não tarda, mesmo que os donos do sertão - eles que têm muito cobre na algibeira, sempre desembrulharem e remexerem, metidos que são, os planos traçados pelo Senhor.
Gafanhoto não come pó, dizia d. Sinhazinha! Espera sempre o baticum da chuva nos emburacados da terra, sabe este bichinho devorador esperar a hora da merenda, quando a planta arrebentar de baixo pra cima, sufocada que estava, depois da semeadura, a fim de respirar o cheiro fresco d'areia e greda.
Nestes tempos de carestia no sertão, gafanhoto, seca e gente poderosa – esta cheia de soberbice, esperam tempo ruim p´ra judiar em demasia o sertanejo. O pior deles é o homem abonado, seca e gafanhoto se aprende a conviver, mas esta espertalhona gente embroma o pobre só não engana, néscio que é, a Deus.
Jadson Simões