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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
foram-se os chapéus e a nação assobiou – foi-se o ardina e a nação assobiou – foi-se o alfaiate e a nação assobiou – foi-se o leiteiro e a nação assobiou – foi-se o aduaneiro e a nação assobiou – fecharam-se os guarda-chuvas e a nação assobiou mais forte – há um novo iluminismo na europa e as nações gritam de braço no ar: o povo é quem mais ordena. a luz quando nasce é para todos – e o povo em manifestação a dizer: assim se vê a força da ingenuidade – quem não gosta de sol? quem não quer andorinhas nos beirais? e o povo sempre a assobiar em postura de orquestra e o ritmo a sair como marcha militar – os pés batem certos. comem caminho. e as mãos andam para trás e para a frente. fazem desenhos geométricos com ângulos de 180 graus – tudo é reto. tudo está de pernas para o ar na exploração do homem pelo homem – não tardou partiram os merceeiros e os assobios a chegar escoltados pelo ruído dos carrinhos de metal – agora tudo gira sem parar noite e dia – e a europa a uma só voz: somos mais fortes juntos. e a livre circulação a trazer o supérfluo. e o povo a gritar: somos euro e vamos para onde quisermos com o cartão de cidadão e a soberania a ruir e as vozes do além a dizer: também sodoma e gomorra foram destruídas [gênesis 19] – foi-se o escudo e o dinheiro circula à velocidade de um tgv pela mão de gente que não sabe cantar o fado – tudo é embrulho. e o que é nosso é deles e o que é deles nunca será nosso – é a lei do mais forte a escrever torto por linha tortas e a nação lusitana saqueada das leis tomadas pelo nosso primeiro afonso – foram-se as fronteiras. as doutrinas. a nação e a iniciativa de quem com coragem dobrou o cabo da boa esperança – e os mastros com a cruz de cristo regateiam ao vento força para lutar contra os adamastores. e todos remam para o mesmo lado. e o contra–mestre a gritar: terra à vista – somos lusos. somos gente do sul. somos gente de sol e as gaivotas pasmas por verem gente a falar a língua de camões – e os mastros com quinas a dizer: somos nós sim. somos gente destemida. gente de fé. de abraço e é sempre bem vindo quem vier por bem – e a dinastia de aviz. e o d. nuno. e a padeira de aljubarrota. e o d. joão. e o d. henrique. e o vasco da gama . e o cabral. e o colombo. e o fontes pereira de melo. e o pombal. e a amália. e tu. e eu. e nós a pensar se tudo isto valeu a pena – e os abutres a chegar com trabalho que não é para durar. e o camponês passa a capataz. trabalha o alcatrão – e a varina passa a técnica de limpeza. limpa a bosta das multinacionais – e o pastor passa a comercial. vende lã da china – e a profissão de futuro é um balcão com gente a vender crédito até ao fim da vida – e os montes a arder de abandono. e as marés sem o levar e trazer de barcos. e os campos vazios de tudo e tudo a andar para trás. e os doutores a dizer: é para a frente que se faz caminho – e tudo é afinal precipício – e o tempo a sorrir para muitos e os assobios a romper barulho para o lado de poucos – e festa é festa. e o povo dividido por grupos canta ao desafio: eu estou bem com o mal de alguém – e os dias amenos disfarçam a tempestade nascida a oriente – e tu ris. e ele ri. nós rimos e o choro de alguns abafado pela gargalhada coletiva de tantos e os ditados populares esquecidos. “quando vires as barbas do teu vizinho a arder. põe as tuas de molho” – e o povo-nação sempre a assobiar. e as primaveras sempre a nascer mais cedo. e o degelo aumentou 120 vezes e os rios galgaram as margens da sensatez e tudo está louco e fácil – e as mãos esfregam-se de ganância e o frio sem estação do ano certa e o povo-carnaval a dançar sobre o mal dos outros. e o parlamento-pinóquio diz que é esta a casa do povo de quem mais ordena – o abril murchou e o zeca volta a cantar a grândola na boca dos esfomeados de pão. de emprego. de habitação. de dignidade. de honra. de gente que é a minha gente. carne da minha carne. o meu povo – e o mal agora é de muitos e o bem de poucos. e paga a saúde. e paga a escola. e paga a justiça. e paga a estrada. e paga o imposto. e paga o que não tem e povo a ferver. e o passo já não é certo e o ouvido a escutar o rufar dos canhões e grita: o povo já não está contigo – e a confiança é choro. e as andorinhas são abutres. e o povo triste grita: contra os canhões marchar. marchar – estamos fartos de tanta mentira. estamos fartos de engenheiros. de doutores. de deputados. de políticos. de banqueiros. estamos fartos de gente que fala por falar – o sol a torrar e a pele a tostar. e o fator 6 passou a 66 e depois a 666 e o número da burra estampado na teste de cada zé enganado – e o mal de poucos passou a cem e a razão já não é de ninguém – e tudo o vento levou com polícias a correr de um lado para o outro sem saber onde está o ladrão – e o povo ergue as mãos no ar e grita: “só há liberdade a sério quando houver a paz. o pão. habitação. saúde. educação”. e as mãos cada vez mais no ar. mãos que abanam como abanadores – e a revolta é agora uma palavra de ordem: “assim se vê a força de um povo” enganado – e a nação mais antiga da europa pronta a explodir com novecentos anos de unidade e nós enganados. roubados. e os filhos enganados. roubados. e os netos vão pagar. e os bisnetos vão pagar. e os trinetos vão pagar – o culpado sou eu